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A OMC - Organização Mundial do Comércio procura harmonizar as transações entre países


1. Conceito - 2. Tarifas - 3. Objetivos - 4. Proteção nacional - 5. Interdição do dumping - 6. Fórum de consultas - 7. Liberalização das importações 8. Organização - 9. O Brasil na OMC - 10. O regulamento antidumping

1. Conceito

A OMC – Organização Mundial do Comércio, anteriormente chamada GATT – General Agreement on Tariffs and Trade, é a organização multilateral que fixa normas estabelecidas para reger o comércio internacional. Desde 1948, a OMC tem operado também como o principal organismo internacional encarregado de negociar a redução dos obstáculos restritivos do comércio internacional e outras medidas que perturbem a concorrência e de velar pelas relações comerciais internacionais.

A OMC é, porém, um código de normas e, às vezes, um foro em que os países podem discutir e resolver seus problemas comerciais e negociar com o objetivo de ampliar as oportunidades de comércio no mundo. O fato de ter crescido o volume do comércio internacional, até multiplicar-se por dez, desde o fim da última guerra mundial, constitui demonstração de êxito da OMC em sua dupla função.

A princípio, a OMC era apenas um acordo entre vários países para desenvolver o comércio internacional e estudar medidas necessárias para esse desenvolvimento, mormente no tange à adoção de tarifas aduaneiras, tanto que se chamou até o fim de 1994 General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). Evoluiu muito e passou a ser uma organização internacional, com sua estrutura básica, seu estatuto, objetivos, métodos de ação e normas impostas a seus membros. O objetivo básico dessa organização internacional e, em síntese, desenvolver o comércio entre todos os países de que se serve para atingir esse objetivo é a eliminação de tarifas (ou taxas aduaneiras) e demais entraves e gravames ao comércio internacional.

2. Tarifas

O antigo nome da OMC, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio Internacional, dá uma ideia de seus objetivos. Seu ponto cruciante é o problema das tarifas aduaneiras e, por isso, merecem elas especial atenção. Tarifa é um imposto que recai sobre produtos importados; a fonte geradora desse imposto é a entrada, no país, de mercadoria estrangeira. O Brasil adota o Imposto sobre Importações, como a maior parte dos países. A tarifa tem diversas finalidades, como, aliás, quase todo tipo de impostos. Chama-se “tarifa de receita” a que for criada para a arrecadação de numerário pelo Poder Público, aumentando sua receita.

O alvo da OMC, entretanto, é a “tarifa protecionista”, ou seja, um tributo incidente sobre importação de mercadorias, a fim de aumentar o preço do artigo estrangeiro e a competitividade do artigo similar nacional. As tarifas, também chamadas “taxas aduaneiras” encarecem o produto importado, estimulando os consumidores a dar preferências aos produtos de seu país. Se todos os países assim fizessem e criassem empecilhos ao livre trânsito de mercadorias, o comércio internacional ficaria bloqueado. Por isso, procura a OMC conciliar os interesses internacionais dos países-membros com os interesses internacionais. Para que se tenha em mente a delicadeza dessa questão, podemos apontar a Medida Provisória adotada pelo Governo brasileiro em meados de 1995, estabelecendo cota de importação de carros estrangeiros e criando uma tarifa elevada para a importação deles, a fim de evitar a invasão de veículos importados no Brasil e concorrência com a indústria automobilística nacional. Essa medida provocou uma reunião dos Presidentes dos Países do MERCOSUL e ameaçou a continuidade do próprio MERCOSUL.

Dois países poderão celebrar um acordo aduaneiro (ou tarifário) quanto às tarifas incidentes a alguns ou todos os produtos da pauta de exportações de cada um deles. Poderá haver um acordo entre um grupo de países ou acordo geral, aberto a todos os países, como o da própria OMC. Assim se formam a União Aduaneira, a Associação de Livre Comércio, o Mercado Comum. No livre comércio as tarifas são eliminadas; na União Aduaneira os países da união estabelecem tarifas uniformes e comuns a ambas, nas suas transações com os países que não fazem parte da união.

3. Objetivos

Em síntese geral, a OMC objetiva o desenvolvimento do comércio internacional, com a maior eliminação possível das tarifas aduaneiras, discriminações e demais entraves que dificultem as operações comerciais no plano internacional. É conveniente repisar que o próprio nome da organização dá ideia de seu objetivo inicial. O primeiro “princípio”, plasmado na cláusula da “nação mais favorecida”, é que no comércio internacional (trade) não deve haver discriminações. Todas as partes contratantes estão obrigadas a conceder-se mutuamente um tratamento tão favorável como aquele que daria a qualquer outro país, relativo à aplicação e administração dos direitos e gravames de importação e exportação. Assim sendo, nenhum país pode conceder a outro vantagens comerciais especiais, nem fazer discriminações contra outro país: todos estão em pé de igualdade e todos podem beneficiar-se de qualquer redução que se faça dos obstáculos ao comércio. As exceções a esta norma fundamental só se admitem em certas circunstâncias especiais, como os “Acordos Regionais”.

Os “Acordos Regionais” são observados em distintas regiões do mundo, como é o caso do MERCOSUL, da União Europeia (criada a princípio como Mercado Comum Europeu) e tratados bilaterais como fez o Brasil recentemente com vários países. Tais acordos de comércio internacional visam à redução ou supressão dos obstáculos às suas pretensões mútuas. O artigo XXIV da OMC reconhece a utilidade de uma integração maior das economias nacionais, mediante a liberalização do comércio entre elas. Por conseguinte, autoriza tais acordos, desde que a exceção à norma geral da OMC, da nação mais favorecida, seja observada dentro das estritas condições, cuja finalidade é garantir que esses acordos facilitem o comércio entre os países interessados, sem opor obstáculos ao comércio com o resto do mundo.

Os agrupamentos comerciais regionais, previstos no artigo XXIV, podem se revestir na forma de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio. Em ambos os casos, é preciso que se eliminem os direitos e demais obstáculos que pesem sobre o essencial dos intercâmbios comerciais entre os países componentes do grupo. Em uma zona de livre comércio, cada membro mantém uma política comercial e um sistema de tarifas próprio, para com os países de fora da zona; em uma união aduaneira adota-se o sistema de tarifa unificada, frente ao exterior. Tanto em um como em outro caso, exige-se que as tarifas e as disposições que afetem as transações dos membros do grupo com os países de fora não sejam mais restritivas do que as aplicadas antes da criação do grupo. Entre os resultados da Rodada de Tóquio, figura uma disposição pela qual se faculta aos países em desenvolvimento concluir acordos comerciais preferenciais, sobre base regional ou global, que prevejam a eliminação ou redução das tarifas.

4. Proteção nacional

O segundo princípio fundamental é que a proteção das indústrias nacionais deve efetuar-se essencialmente mediante a tarifa aduaneira e não com medidas de outra classe. O objetivo dessa norma é, entre outras coisas, conseguir que se conheça claramente o grau de proteção. Afronta pois as normas da OMC, como também o MERCOSUL, a adoção de cotas de importação de carros, recentemente adotada pelo Brasil, uma vez que já fora adotada tarifa protecionista.

O comércio se apoiá, assim, sobre uma base estável e conhecida graças á consolidação por negociação entre as partes contratantes, dos níveis dos direitos aduaneiros. Esses direitos consolidados figuram em cada país, em uma das listas aduaneiras que formam parte da OMC. Esse princípio, pelo qual os Estados se comprometem a reservar aos produtos estrangeiros, uma vez franqueada a fronteira, o mesmo tratamento fiscal e legislativo que dispensam aos produtos nacionais, é também chamado pelo nome de “tratamento nacional”.

5. Interdição do dumping

O terceiro princípio adotado foi o da interdição do dumping e a regulamentação das subvenções à exportação. O dumping é uma prática que permite a introdução de produtos de um país no mercado de outro por preço inferior ao seu valor normal.

Essa definição foi introduzida em caráter menos absoluto no código antidumping negociado em 1967 com a seguinte redação: “Um produto deve ser considerado como caracterizador de um dumping, isto é, como introduzido no mercado de um país importador a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação desse produto, quando exportado de um país para outro, é inferior ao preço comparável, praticado no curso de operações comerciais normais, por um produto similar destinado ao consumo do país exportador.”

6. Fórum de consultas

A realização de consultas, o processo de conciliação e solução de divergências, são questões de fundamental importância para a atuação da OMC. Tanto os países grandes como os pequenos podem recorrer à OMC, em busca de solução, quando julgarem que outras partes contratantes anulem ou ponham em perigo os direitos que a OMC lhes confere. Em sua maioria, essas diferenças se resolvem diretamente pelos países interessados. Nos últimos anos, os Estados-membros têm recorrido, de forma crescente, aos grupos especiais de técnicos independentes, estabelecidos pelo Conselho da OMC e pelos comitês que velam pelo cumprimento dos acordos sobre medidas não tarifárias. Os membros dos grupos especiais são eleitos entre nacionais de países não envolvidos no litígio. Mais ou menos, a OMC atua nestes casos como uma câmara arbitral.

7. Liberalização das importações

A eliminação das restrições às importações é um princípio e uma disposição fundamentais da OMC, estabelecidos numa época em que essas restrições estavam muito difundidas e constituíam importante obstáculo para o comércio internacional. Essas restrições perderam muito de sua importância, mas continuam numerosas e afetam negativamente as operações internacionais de troca de mercadorias.

A principal exceção a esta norma da OMC é no caso de desequilíbrio no balanço de pagamentos de um país (art. XII). Admitem-se, neste caso, as restrições às importações, que não devem ser aplicadas além da necessidade de reequilibrar o balanço de pagamentos, sendo paulatinamente reduzidas e eliminadas quando tiverem sido atingidos os objetivos. Essa exceção amplia-se para os países em desenvolvimento, pelo reconhecimento (consignado no artigo XVII) de que se podem ver obrigados a manter restrições às importações, para impedir um dispêndio excessivo de divisas, por causa da demanda de importação.

8. Organização

O órgão superior da OMC é a RODADA, isto é, o período das reuniões dos países do acordo. Nas decisões por votação, em que cada parte tem um voto, basta a maioria simples, mas é necessária a maioria dos 2/3 dos votantes, e que haja mais da metade dos países-membros, para que seja concedida uma “exceção”. A exceção, conforme já comentado, é um instituto próprio da OMC, e consiste numa autorização outorgada, em casos particulares, para um país deixar de cumprir determinas obrigações impostas pela OMC.

O “CONSELHO DE REPRESENTANTES” ocupa-se dos assuntos transitórios e urgentes, entre os períodos das Rodadas. Este órgão reúne-se normalmente uma vez por mês.

O “GRUPO CONSULTIVO DOS DEZOITO” é formado por funcionários de alto nível de vários países e que desempenhem em seus países funções relacionadas ao comércio internacional. Sua função é colaborar com os membros da OMC, para melhor desempenho de suas tarefas primordiais, como a de seguir a evolução do comércio internacional e prevenir ou resolver as perturbações que ameacem o sistema de comércio multilateral e o processo de reajuste, incluindo a coordenação entre a OMC e o FMI.

O “COMITÊ DE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO” acompanha todas as atividades da OMC, procurando influir para que tenham prioridade os problemas de interesse dos países em desenvolvimento. A função deste Comitê foi reforçada na Rodada de Tóquio, mediante a criação de dois novos comitês: um para examinar qualquer medida de proteção adotada pelos países desenvolvidos contra as importações procedentes de países em desenvolvimento; outro para analisar os problemas de comércio exterior dos países menos adiantados.

A criação desse Comitê resultou de uma evolução sensível da OMC, graças ao seu alargamento, com a adesão de grande parte dos novos países, quase todos subdesenvolvidos. Assim sendo, os países em desenvolvimento constituem a maioria na OMC e, como o voto por cabeça, há predominância deles nas decisões. Nesse aspecto, a OMC se diferencia bastante do FMI e do Banco Mundial, nos quais o poder de voto se baseia nas cotas que possuem os países-membros nesses órgãos.

Nesta evolução, em 1965, foi adicionado um novo capítulo, a Parte IV, com os artigos 36, 37, 38, denominado “Comércio e Desenvolvimento”. Neste capítulo, ficou estabelecido que os países em desenvolvimento devessem ser ajudados pelos países desenvolvidos, mediante um “esforço consciente e tenaz”. Esse capítulo estabeleceu um novo e importante princípio, ampliado nos acordos da Rodada de Tóquio, segundo o qual, nas negociações comerciais, os países desenvolvidos não deveriam esperar dos países em desenvolvimento contribuições incompatíveis com as necessidades desses últimos, em matéria de desenvolvimento, finanças e comércio.

Os países desenvolvidos também convencionaram que salvo no caso em que razões imperiosas possam impedir, iriam se abster de aumentar os obstáculos à exportação de produtos primários e de outros produtos de especial interesse para os países em desenvolvimento e concederiam prioridade à redução dos obstáculos existente, inclusive os gravames fiscais.

O “COMITÊ DE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO” procura manter o equilíbrio no princípio de reciprocidade e das exceções a esse princípio, no tocante aos países em desenvolvimento.

9. O Brasil na OMC

Entre as 23 nações que, em 1947, firmaram o acordo da constituição da OMC – Organização Mundial do Comércio, como o nome, a princípio, de GATT – General Agreement on Tariffs and Trade, estava o Brasil. É membro fundador e participa ativamente de sua atividade. Entretanto, transgride com frequência os princípios básicos desta organização internacional de que faz parte. O Governo brasileiro concede maciços incentivos fiscais e creditícios para o barateamento dos produtos brasileiros, tornando seus preços bem inferiores àqueles do mercado nacional. Automóveis e outros veículos brasileiros são encontrados no mercado internacional a baixo custo. O mesmo fenômeno ocorre com outros produtos nacionais.

Por outro lado, há excessivas tarifas alfandegárias sobre os produtos importados e vários gravames que afrontam os compromissos constantes da OMC. Afora os gravames, há medidas impeditivas para a importação de certos produtos, a fim de proteger empresas brasileiras, geralmente dirigidas por políticos. É a chamada “reserva de mercado”, em que certos segmentos de nossa economia ficaram fechados a alguns grupos econômicos. A questão primordial, que agitou nosso país foi a reserva de mercado para a informática, estabelecido em 1984 pela Lei 7.232/84, que provocou sérias ameaças e retaliações por parte principalmente dos EUA. Alei 8.248/91 atenuou essa medida até que ela ficasse superada. Deixou porém sequelas no plano internacional. Ainda por cima, facilitou o início da pirataria, também criadora de dificuldades do Brasil perante o comércio exterior.

Para regulamentar o comércio internacional americano, certas normas foram adotadas, tendo como diploma primacial o “Trade Act” de 1975. Essa Lei, no título V, habilita o Presidente dos EUA a conceder tratamento diferencial com franquias às importações oriundas de países em desenvolvimento. Porém, a seção 502 do “Trade Act” estabelece medidas pra descartar o benefício de preferências dos EUA a certos países, mediante “critérios imperativos e discricionários”.

Pelo critério imperativo, o governo americano não pode beneficiar a importação de produtos de países com governo esquerdista. Pelo critério discricionário, não podem ser beneficiados países que se apropriem de bens americanos, imponham barreiras a investimentos americanos ou mantenham encargos fiscais discriminatórios contra produtos americanos, adotem dumping ou vedem a americanos a atuação comercial nos países beneficiados pelas franquias. Estribados nas normas da OMC, os EUA têm adotado retaliações variadas contra produtos brasileiros, como os sapatos de Franca, a soja, o suco de laranja e vários outros produtos.

10. Histórico

A OMC entrou em vigor em janeiro de 1948. Os 23 países que o firmaram estavam então elaborando o Estatuto da projetada Organização Internacional do Comercio – OIC (ou ITO – Internacional Trade Organization), que se concebia como um organismo especializado da ONU. A OMC, que em boa medida se baseou em determinadas partes do projeto do Estatuto da OMC, assentou-se com o objetivo de poder proceder rapidamente à liberalização do comércio internacional (trade) e, se foi dotado de um dispositivo institucional mínimo, foi porque se supunha que a OIC o substituiria ou dele se encarregaria. Teve que abandonar os planos da criação desta última, quando se tornou evidente que não seria ratificado o estatuto da OIC, e a OMC ficou como o único instrumento internacional que estabelece normas comerciais, aceitas pelos países que dominam a maior parte do comércio mundial. O número de membros da OMC tem aumentado desde então, até a cifra atual de 180.

A OMC já fazia parte de discussões na Conferência de Bretton Woods em 1944, quando foram criados o Banco Mundial e o FMI. Ante a resistência do governo americano à criação da OIC, abandonou-se a ideia dessa organização internacional, mas o governo americano manteve a luta pela liberdade no comércio internacional, até com seguir seu intento com a criação da OMC. Assim é que se reuniram na cidade de Genebra (Suíça) representantes de 23 países, celebrando um acordo internacional, que tomou o nome de – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio Internacional).

A palavra Trade ou World Trade, utilizada universalmente, significa comércio internacional. O GATT criado por essa Convenção de Genebra de 1947 e aperfeiçoado principalmente pela Convenção de Havana, de 1948. A carta de Havana tratava de todos os problemas que interferiam na relação das trocas comerciais: barreiras não tarifárias, redução de níveis não tarifários, discriminação, subsídios, monopólios e cartéis, produtos primários, mercado de trabalho com pleno emprego. Para criar esse complexo de regulamentos, imperiosa seria a criação da ITO – International Trade Organization. Como esta não foi criada, restringiu-se o âmbito de atuação do GATT.

A atuação do GATT realçou-se principalmente graças às reuniões de conversações, chamadas “Rodadas”. Importante foi a rodada Tóquio; nesta Rodada, reuniram-se os representantes de 97 países participantes do GATT, países esses que somavam 90% do movimento comercial internacional. Todos os países desenvolvidos de economia de mercado dela participaram, e vários outros países, inclusive alguns do leste europeu. Contudo, também importante foi a mais Rodada Uruguai, de 1986/1993, pois foi nesta que se decidiu a mudança de GATT para OMC, que passou a funcionar como tal em 1995. Atualmente, processa-se outra rodada, na cidade de Doha, no Quatar, país árabe do Oriente Médio, iniciada em 1991 e ainda em andamento. Não se trata somente da mudança de nome, mas da ampliação dos objetivos e da atuação.

A partir do início de 1995, o GATT passou a atuar como nova organização, com mais amplas atribuições, recebendo o nome de OMC – Organização Mundial do Comércio.

11. O regulamento antidumping

Uma das formas de abuso do poder econômico por parte de uma empresa é a prática do dumping. É ainda manifestação de concorrência desleal, pois o dumping visa a desbaratar as empresas concorrentes do mercado consumidor disputado pela empresa agente do dumping. Note-se que o termo em questão faz parte hoje do vocabulário jurídico nacional, utilizado pela legislação que o restringe, com a grafia original; não se trata mais de uma expressão estrangeira.

Deve ter-se tornado problema bem sério, após a entrada no Brasil de produtos importados, tanto que provocou vivas discussões no final de 1944 e a promulgação da Lei Antidumping, com o Decreto 1.602, de 26.8.1995. O Brasil já oficializara o acordo do GATT – General Agreement on Taffis and Trade (atual OMC – Organização Mundial do Comércio), estabelecido pelo Tratado de Marraqueshe (Marrocos), aprovado pelo Decreto Legislativo 30, de 13.12.94 e promulgado pelo Decreto 1.335, de 30.12.94.

Como se sabe, um tratado internacional transforma-se em lei nacional graças à aprovação do Congresso Nacional por um decreto legislativo e promulgação por decreto do Poder Executivo. Foi o que aconteceu com o tratado que transformou o GATT na OMC e estabeleceu as regras internacionais atualmente em vigor para a repressão ao dumping. Nossa lei e esse tratado ratificam o anterior Acordo Antidumping, celebrado em reunião do GATT, transformado em lei nacional, ao ser aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 20, e promulgado pelo Decreto 93.941/87 e Acordo de Subsídios e Direitos compensatórios, aprovado pelo Decreto legislativo 22 e promulgado pelo Decreto 93.962/87, hoje devidamente regulamentado pela Lei 9.019/95.

O dumping é a prática de introduzir produtos de um país no mercado consumidor de outro país, por preço inferior ao seu valor normal. Esta definição foi introduzida em caráter menos absoluto no código antidumping em 1967 com a seguinte redação:

“Um produto deve ser considerado como caracterizador de um dumping, isto é, como introduzido no mercado de um país importador a preço inferior ao seu valor normal, se o preço de exportação desse produto, quando exportado de um país para outro, é inferior ao preço comparável, praticado no curso das operações comerciais normais, por um produto similar destinado ao consumo no país exportador.”

Vê-se, destarte, que o dumping foi a princípio considerado um fenômeno internacional, malgrado seja ele praticado silenciosamente também no plano nacional.

A prática do dumping tornou-se corriqueira para o Brasil, ao criar incentivos fiscais e linhas de crédito especiais para a exportação de produtos brasileiros. Em consequência, as empresas brasileiras lançaram-se à conquista dos mercados internacionais, oferecendo produtos a baixo custo, bem abaixo do preço cobrado no mercado interno. Inúmeras ameaças de retaliação, principalmente dos EUA, não fizeram o Governo brasileiro arredar pé dessa política econômica. Em 1994, porém, houve o reverso da medalha. Para poder exportar seus produtos, nosso país teve de abrir suas portas à importação. Essa abertura acarretou uma enxurrada de automóveis, tecidos, calçados, artigos para presentes e muitos outros artigos, cuja importação era antes proibida. Essa concorrência gerou protestos das empresas brasileiras. Fabricas de calçados do Rio Grande do Sul e de Franca, tecelagens de Americana-SP e outras fecharam ou reduziram drasticamente sua produção.

Ante a crise em que se debateram as empresas nacionais, o Brasil apressou a aplicação das normas preconizadas pela OMC, em que se transformou o GATT. Para tanto, transformou-as em lei nacional e, em seguida, apresentou o Decreto 1.602/95, regulamentando as normas disciplinadoras dos procedimentos administrativos, relativo à aplicação dos direitos previstos na Lei Antidumping, e depois a Lei 9.019/95. A nova legislação descurou todavia o dumping interno, ou seja, o praticado por empresas produtoras de produtos no próprio mercado interno. Predomina na Lei o nítido sentido internacional, preocupando-se com a entrada no Brasil, de produtos oriundos de outros países, a preço abaixo dos que sejam adotados no mercado interno dos países exportadores desses produtos. A analogia, entretanto, autoriza-nos a apelar pela aplicação da Lei igualmente no plano interno.

A questão é juridicamente bem complexa quanto à sua natureza. Há o concurso de vários ramos do Direito. Sendo assunto tratado pela OMC, na pauta de suas prioridades, amolda-se no Direito Internacional, tanto Público como Privado. Ao afetar a economia interna de um país e provocar o surgimento de legislação nacional, torna-se ema de direito interno. Como o dumping é prática de empresas, situa-se no âmbito do Direito Empresarial. Volvendo ao moderno conceito de Direito Empresarial, adotado pelo mestre da Universidade de Roma, o preclaro comercialista Giuseppe Ferri, de que o Direito Empresarial cuida das atividades empresariais destinadas á satisfação do mercado consumidor, temos que situar a questão no âmbito deste direito. Refere-se às normas referentes às unidades de produção e distribuição de bens, no regime de livre iniciativa e intento lucrativo, vale dizer, as empresas, às atividades destas com vistas à conquista processa-se em afronta às normas legais, constituindo pois crimes previstos no Código da Propriedade Industrial e Código Penal, catalogados como concorrência desleal.

Essa concorrência desleal é patente. Por que uma empresa vende seus produtos a preços abaixo do mercado? Só pode ser para desbaratar a concorrência e ver-se sozinha no mercado; poderá então impor seu preço. Naturalmente, a empresa agente do dumping deverá ter considerável poder econômico para bancar os preços baixos e usa esse poder para escorraçar as empresas concorrentes, assenhorear-se do mercado e impor os preços que lhe proporcionem pingues lucros. Utilizamos aqui a linguagem adotada pelo Código de Propriedade Industrial, classificando esse tipo de ação como “concorrência desleal”. Todavia, a julgamos como concorrência ilícita, por ser condenada pela lei. Poder-se-ia até chamá-la de criminosa, uma vez que os atos que a compõem são classificados como crimes pelo Código de Propriedade Industrial e pelo Código Penal.

O artigo 4º do Decreto 1.602/95 dá-nos uma definição de dumping, não muito diferente da que nos tinha sido dada pelo antigo GATT:

“Para os efeitos deste decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sobre as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor nominal.”

Considera-se normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis, que o destinem a consumo interno no país exportador. Por exemplo, ingressaram no Brasil ventiladores chineses a preço de US$ 10,00, enquanto eles custavam na China US$ 18,00. Se porventura o produto exportado ao Brasil não for vendido no mercado interno do país exportador, será levado em conta o preço de produto similar. O termo “produto similar” será entendido como produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando, ou, na ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto que se está considerando. Esse levantamento deverá ser feito no país exportador, mas caberá à empresa prejudicada pelo dumping encomendar essa pesquisa.

Se for difícil aferir o preço adotado no país de origem e exportação do produto entrado no Brasil, por ausência de similar, poderá ser pesquisado o preço da exportação para outros países. Poderão, porém, ser consideradas como operações mercantis anormais e desprezadas na determinação do valor normal as transações entre empresas coligadas ou associadas, ou que tenham celebrado entre si acordo compensatório, a menos que esses preços e custos sejam semelhantes aos de outras empresas não coligadas.

O preço de exportação será o preço efetivamente pago ou a pagar pelo produto, exportado ao Brasil, livre de impostos, reduções e descontos efetivamente concedidos e diretamente relacionados com as vendas. Será efetuada comparação justa entre o preço de exportação e o valor normal, no mesmo nível de comércio, normalmente o ex work (ou ex fabrica), vale dizer, quando o produto entre o valor normal e o preço de exportação.

A empresa que introduzir no mercado brasileiro produtos estrangeiros, a custo abaixo do normal, vale dizer, exercendo dumping, causará danos aos fornecedores nacionais e poderá ser acionada a reparar esses danos. Poderão ser danos materiais ou ameaça de danos materiais à indústria doméstica já estabelecida ou retardamento sensível na implementação de tal indústria.

A determinação do dano será baseada em provas positivas e exigirá exame objetivo do volume das importações sobre a indústria doméstica. É necessária a demonstração do nexo causal entre as importações objeto e do dano à indústria doméstica, devidamente comprovado. A “indústria doméstica” representa a totalidade dos produtores nacionais do produto similar ou como aqueles, dentre eles, cuja produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional do produto.

12. O processo antidumping

A empresa doméstica, ou seja, a indústria brasileira que se julgar prejudicada pela prática de dumping, poderá processar a empresa infratora com base na legislação antidumping brasileira, que, é bom repetir, está escorada nas normas internacionais da OMC. O processo será instaurado na Secretaria do Comércio Exterior – SECEX, órgão do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo. Será, portanto, um processo administrativo, para o qual a lei exige ampla comprovação e demonstração da existência do dumping, dos danos e do nexo causal entre as importações objeto de dumping e os danos alegados. Esse processo seguirá o rito estabelecido pela Lei e por roteiro elaborado pela SECEX.

A abertura do processo será requerida por petição da empresa prejudicada, dirigida à SECEX, contendo a completa qualificação da requerente e indicando o volume e o valor de sua produção nacional de produtos similares. Deve ser juntada a relação das demais empresas domésticas, que produzem artigos similares aos que seja objeto do dumping e o volume e valor da produção dessas empresas. Quanto aos produtos importados, objeto do dumping, necessitarão eles de completa descrição, com a indicação do país em que foram fabricados e de onde vierem, quem os exportou e quem os importou, qualificando e indicando bem essas empresas. Caso haja informações sigilosas, serão elas tratadas de acordo com sistema especial que garanta o segredo. Enfim, deverão ser dadas informações bem pormenorizadas sobre todos os dados referentes ao dumping.

A SECEX poderá pedir informações adicionais e, estando em termos, iniciará o processo, notificando os demais produtores domésticos para que se pronunciem. Se houver apoio de outras empresas, que representem a metade da produção nacional, o processo poderá ser considerado como sendo movido pela “indústria doméstica” ou em seu nome. Equivaleria a uma ação de litisconsórcio, de caráter público. As empresas consideradas partes interessadas neste processo são as produtoras domésticas de artigos similares, ou a entidade de classe que as representem, bem como os produtores e importadores estrangeiros dos bens objeto do dumping e quem tenha importado esses bens. O Governo do país em que estiverem localizados os produtores e exportadores dos bens será também considerado parte interessada e notificado da abertura das investigações. Ao ser aberto o processo, cópia da petição inicial será enviada a todos eles. A SECEX comunicará ainda à SRF - Secretaria da Receita Federal.

Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla oportunidade de defesa de seus interesses. Cada parte poderá requerer a realização de audiência com acareação entre partes de interesses opostos. Terminada a fase instrutória, a SECEX elaborará seu parecer. A fase decisória pertencerá ao Ministro da Indústria, Comércio e Turismo e ao da Fazenda, que aplicarão, mediante atos conjuntos, os direitos antidumping, com base no parecer da SECEX. Consideram-se direitos antidumping, o montante em dinheiro igual ou inferior à margem de dumping apurada com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto do dumping.

É um tipo de reparação de danos às indústrias nacionais, prejudicadas pelo dumping. A devedora, vale dizer, a causadora do dumping, deverá ser a empresa importadora ou distribuidora, no mercado nacional, dos produtos objeto do dumping. Não há recurso a instância superior, mas o processo é passível de revisão, desde que haja decorrido no mínimo um ano da imposição de direitos antidumping definitivos e que sejam apresentados elementos de prova. As provas deverão demonstrar que a aplicação do direito deixou de ser requerida pela parte interessada ou por iniciativa de órgão ou entidade administrativa federal ou da própria SECEX. Para efeito de esclarecimento, a Lei antidumping chama de “direitos antidumping” um tipo de multa ou reparação de danos aplicados a uma empresa infratora dessa Lei

Texto confeccionado por: Sebastião José Roque. Advogado, professor da Universidade São Francisco - campi de São Paulo e Bragança Paulista.

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