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Aporte de recursos na empresa e o instituto das quotas preferenciais


Apesar da utilização incontestável das ações preferenciais nas sociedades anônimas, conforme expresso no artigo 17 da Lei 6.404/76, ainda existem dúvidas quanto à aplicação desse instrumento nas sociedades limitadas. Isso porque o Código Civil prevê a possibilidade de adoção do regramento supletivo da lei das sociedades anônimas para as limitadas quando previsto no contrato social e houver compatibilidade estrutural. A utilização de ações ou quotas preferenciais permite que o titular obtenha benefício econômico, como a prioridade na distribuição de dividendos, o privilégio no reembolso do capital social no caso de liquidação da companhia e a participação diferenciada na distribuição de bonificações, em detrimento do direito político de voto, que pode inexistir, no mais das vezes, ou sofrer restrições. Apesar dos sócios terem o objetivo, via de regra, de fazer a sociedade prosperar por meio da realização do objeto social, com a consequência lógica de percepção de dividendos, nem sempre eles têm interesse em empregar os mesmos esforços para que isso se materialize. Dessa forma, a quota preferencial mostra-se alternativa capaz de acomodar interesses divergentes, canalizando-os de forma estratégica para que o escopo fim da sociedade seja atingido. Pode-se cogitar a importância do instrumento no fomento ao empreendedorismo por contemplar e remunerar a figura do investidor que não tem interesse em tomar parte na gestão de uma sociedade, mas reconhece em sua atividade empresarial o potencial lucrativo, e, em contrapartida, por incentivar o empresário que procura desenvolver uma empresa de acordo com suas perspectivas de administração, mas não tem capacidade financeira para realizar grande aporte de capital. Outra vantagem da utilização da quota preferencial é a proteção conferida ao patrimônio pessoal do sócio preferencialista, que poderá opor sua condição especial em face de eventual incidente de desconsideração da personalidade jurídica, muito comum atualmente. O reforço da separação patrimonial entre sócio e sociedade é, sem dúvida, fator de incentivo ao investimento em empresas. A predominância das sociedades limitadas no cenário econômico brasileiro impõe a reanálise dos institutos das sociedades anônimas a elas aplicáveis, bem como a verificação de requisitos de legalidade, operacionalização e conveniência, tanto do ponto de vista do interesse particular, dos empresários, quanto do ponto de vista do interesse público, no sentido de construção de uma sociedade baseada em preceitos constitucionais de valorização do trabalho humano e justiça social. O tema é polêmico porque as sociedades limitadas têm características marcantes de sociedade de pessoas, ou seja, em tese, as qualidades pessoais de cada sócio e suas vontades comuns são fundamentais para o desenvolvimento da atividade empresarial. As quotas preferenciais, portanto, tendem a causar a desnaturação desse tipo societário, aproximando-o demasiadamente de uma sociedade de capital. Observa-se que essa estratégia societária ainda tem potencial de gerar inúmeros problemas quanto à formação dos quóruns necessários para aprovação de decisões internas de gerência da sociedade limitada, podendo, no limite, criar situações que demandariam unanimidade.  O engessamento mostra-se incompatível com os procedimentos simplificados atribuídos às sociedades limitadas, cuja proposta é a de menor burocracia e estrutura mais enxuta e questiona a aplicabilidade da figura da quota preferencial. Outro ponto muito debatido pelos comercialistas é a questão da democracia acionária e a importância do voto dentro das sociedades em geral, por representar a manifestação última de vontade do quotista, devendo ser resguardado. Em contrapartida, parte da doutrina entende que, diferentemente do direito de participação nos lucros, artigo 1.008 do CC, e do direito de fiscalização, artigo 1.021 do CC, o direito de voto não seria um direito essencial dos sócios, tendo em vista a possibilidade de abstenção em qualquer deliberação e de troca desse direito por benefício econômico. Apesar da prática apontar alto número de abstenções e relativo desinteresse dos sócios nas deliberações societárias, nota-se que o Novo Mercado, por exemplo, segmento que reúne empresas que estão no mais avançado nível de governança corporativa do mercado, tem como condição de ingresso a ausência de previsão de ações sem direito a voto nos estatutos sociais das companhias, o que, para o segmento, induz à dispersão do controle acionário e à garantia efetiva dos interesses dos acionistas minoritários, cenário que favorece a capitalização das empresas e o desenvolvimento do mercado de capitais, especialmente no contexto das sociedades por ações abertas brasileiras, nas quais a concentração acionária é extrema. Do mesmo modo, há pesquisas que acusam a relação inversa entre valor de mercado e grau de concentração acionária, a necessidade de capitalização das empresas para o desenvolvimento do mercado acionário, a tendência de dispersão do controle em países que garantem efetiva proteção dos acionistas minoritários e minimizam a obtenção de benefícios particulares aos acionistas controladores em decorrência de sua posição acionária [1]. Atenta aos conflitos que a transposição desse instituto originário das sociedades anônimas poderia causar, em 2003, a Instrução Normativa nº 98 do Departamento Nacional de Registro Comercial, DNRC – atual Departamento de Registro Empresarial e Integração, DREI – impôs o não cabimento para sociedade limitada da figura da quota preferencial. Em vista dessa proibição, coube aos advogados societaristas estruturar novas soluções para problemas de divergência de interesse societário que, muitas vezes, teriam sua resposta nas quotas preferenciais. Da situação, resultaram inúmeros acordos de sócios, a realização de mútuos conversíveis e até mesmo a criação de sociedades em conta de participação. Em verdade, a aplicação das quotas preferenciais às sociedades limitadas obriga os juristas a criarem mecanismos para acomodar diferentes premissas societárias dentro da estrutura de limitada, configurando substancial desafio na delimitação da aplicabilidade da lei das sociedades anônimas. A exemplo do problema dos quóruns, uma possível resolução para a operacionalização da quota preferencial seria a exclusão dos sócios preferencialistas para fins de votação, ou seja, considerar-se-ia que a totalidade das quotas ordinárias corresponde a 100% do capital social. O assunto voltou ao centro das atenções em 2017 por ocasião da publicação da Instrução Normativa nº 38 do DREI, que se reposicionou para admitir a utilização das quotas preferenciais ao instituí-las como fator de presunção da opção pelo regramento supletivo da lei das sociedades anônimas. O artigo 1.055 do Código Civil de 2002 oferece embasamento legal ao novo entendimento do Departamento de Registro Empresarial e Integração por consignar que o capital social se divide em quotas que podem ser iguais ou desiguais. Entende-se que a desigualdade prevista não se restringe à distribuição quantitativa entre os sócios, mas também ao alcance dos direitos advindos do status socii, reorganizando-os de acordo com os interesses dos sócios e da própria empresa, ainda que de forma desproporcional. Do mesmo modo, o artigo 1.007 do Código Civil, que autoriza o contrato social a criar diferenciações na distribuição dos lucros entre os sócios, premiando alguns em face de outros, dá margem à aplicação das quotas preferenciais ao passo que restringe direito econômico essencial do sócio de acordo com a conveniência da própria sociedade. O mesmo raciocínio quando aplicado ao direito político leva à inevitável conclusão da possibilidade da quota preferencial em limitadas. Ainda que as quotas preferenciais pareçam promissor atalho para a advocacia e os investidores, igualmente válidas são as ponderações sobre o tema no sentido de que a prática de emissão de ações desprovidas do direito de voto colide com o ideal da democracia acionária, tendo em vista o favorecimento do abuso do poder de controle e da supressão de eventuais conflitos de interesse potencialmente prejudiciais à empresa e às demais partes relacionadas, como trabalhadores, fornecedores, órgãos regulamentares, meio ambiente e sociedade de forma geral. [1] Sobre a realidade brasileira, há resultados quantitativos que evidenciam a extrema concentração acionária. Dados constantes do relatório “White Paper on Corporate Governance in Latin America”, elaborado em 2003 pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), apontaram que 51% das ações de 459 companhias pesquisadas estavam em poder de um único acionista, 65% estavam nas mãos dos três maiores acionistas, e 67% eram dos cinco maiores acionistas. Além disso, a pesquisa identificou 38 conglomerados na participação de 89% das ações das maiores companhias brasileiras. No esforço de identificação do controlador, nas companhias não financeiras ele pertencia à família, às firmas estrangeiras e ao governo em proporções parecidas, e apenas 2% eram caracterizadas pela dispersão do controle acionário.   Confeccionado por Isis Teixeira e Heloisa Krisman são, respectivamente, advogada e estagiária da área de direito societário do escritório Dosso Toledo Advogados.

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