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Contrato de gaveta: tribunais exorcizam a discriminação dos agentes financeiros


I. Introdução

O chamado contrato de gaveta, habitualmente utilizado por mutuários do sistema financeiro de habitação para transmissão de seus direitos sobre o imóvel adquirido, sempre foi alvo de acalorados debates no campo jurídico.

Sustenta uma vertente, dentre outros argumentos, que o reconhecimento do contrato de gaveta só se exterioriza quando presente a anuência do agente financeiro na negociação.

A vertente oposta, amparada, dentre outros argumentos, no princípio da livre disponibilidade dos bens, sustenta a plena validade do contrato e a obrigatoriedade do seu reconhecimento pelo Sistema Financeiro da Habitação.

Acontece que, reiteradamente, numerosos contratos de gaveta são ajustados entre mutuários do Sistema Financeiro da Habitação e terceiros, e, a despeito da ausência da anuência do agente financiador, os chamados gaveteiros dão seqüência nos pagamentos das mensalidades, que são recebidas sem qualquer oposição pelo agente credor surgindo, então, a seguinte indagação:

O recebimento, sem qualquer resistência, pelo agente do sistema financeiro da habitação, com inescondível ciência de que o pagamento não está sendo realizado pelo mutuário primitivo, mas pelo chamado gaveteiro, equivaleria à anuência tácita do agente financeiro suprindo a exigência do seu comparecimento ao contrato realizado pelo mutuário com o terceiro?

II. O posicionamento do legislador com a edição de ato possibilitando a regularização do contrato

A resistência que no passado existiu com relação ao reconhecimento do contrato de gaveta – e que ainda existe para alguns - vem sendo quebrada diante da realidade, considerando a quantidade de contratos ajustados pelos mutuários com terceiros, razão pela qual o legislador já editou alguns atos objetivando disciplinar essa situação como, por exemplo, a lei 10.150/00 que expressamente admite a regularização contrato de gaveta desde que tenha sido firmado até outubro de 1.995 e ajustado com base na Lei 4.380/64.

Vale acrescentar que a lei 8.692 de 27 de julho de 1993, que antecedeu a lei 10.150/00, dando nova redação a Lei 8.004/90, já reconhecia direito de o gaveteiro obter quitação quando existente a previsão do FCVS no contrato, como se extrai da dicção do referido dispositivo legal:

"Art. 19. O parágrafo único do art. 1º e os arts. 2º, 3º e 5º da Lei nº 8.004, de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º Nos contratos que tenham cláusula de cobertura de eventual saldo devedor residual pelo FCVS, a transferência dar-se-á mediante simples substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário as mesmas condições e obrigações do contrato original, desde que se trate de financiamento destinado à casa própria, observando-se os requisitos legais e regulamentares, inclusive quanto à demonstração da capacidade de pagamento do cessionário em relação ao valor do novo encargo mensal”.

III. O posicionamento da doutrina

Sobre o assunto, expressivos são os conceitos emitidos pela doutrina especializada:

"A lei 8.692 de 27 de julho de 1993 já ventilava a possibilidade das pessoas que tivessem o conhecido contrato "de gaveta" com cobertura pelo fcvs ou não, a possibilidade de regularização do contrato junto ao agente financeiro, cuja transferência dar-se-ia mediante simples substituição do novo mutuário, mantida as mesmas condições e obrigações do contrato original, observando-se determinados requisitos inclusive a capacidade do mesmo no pagamento da prestação (esta será atualizada a contar do último reajuste até a data da transferência do contrato, com base no índice de atualização da caderneta de poupança)".

De forma ainda mais incisiva, o posicionamento do advogado especializado em Direito Imobiliário RONALDO GOTLIB COSTA, em seu conceituado Guia do Mutuário em forma de pergunta e resposta, onde, além de deixar claro o direito do contratante, apresenta ácida e acertada crítica a expressão "gaveteiro":

"Sou "gaveteiro". Também tenho direito? Em primeiro lugar, é preciso dizer que somos contra esta nomenclatura, "gaveteiro", pois faz crer que o negócio firmado é ilegal e, por isso, deve estar escondido (na gaveta), o que não é verdade. O contrato de gaveta é perfeitamente legal. Só não é reconhecido pelo banco. Cumpre, porém, todos os requisitos legais que lhe asseguram a validade. Portanto, o gaveteiro pode pleitear seus direitos da mesma forma que o mutuário original ".

IV. O Posicionamento dos tribunais

A matéria já foi enfrentanda em mais de uma ocasião pelos Tribunais e as decisões estão se pacificando no sentido do reconhecimento do contrato quando existe ciência da negociação e continuidade de recebimento pelo agente financeiro das mensalidades pagas pelo chamado gaveteiro como se extrai de trecho de noticiário do Superior Tribunal de Justiça:

"Para o ministro Garcia Vieira, relator do processo, "se o agente financeiro, após tomar conhecimento da transferência do imóvel financiado a termo, passa a receber do cessionário as prestações amortizadoras do financiamento, presume-se que ele consentiu tacitamente com a alienação. Portanto, o conhecimento, sem oposição à transferência, equivale a implícita concordância".

Em recente precedente o Tribunal Regional da 2ª Região, por sua 4ª Turma, reconheceu o direito do chamado gaveteiro de ver regularizada a sua situação, chamando atenção o relator em seu voto para o fato de que a matéria já se encontra pacificada naquele Tribunal e no STJ.

O Julgado foi alvo de ampla divulgação pela mídia, em especial no noticiário da página do próprio Tribunal na Internet, valendo transcrição oportuno trecho do mencionado artigo:

"No entendimento unânime da 4ª Turma, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos próprios TRF já é pacífica no sentido de reconhecer a eficácia dos contratos de gaveta como negócios jurídicos (...).

Ainda em seu voto, Dr. Rogério de Carvalho ressaltou que essas modificações introduzidas pela Lei nº 10.150 deixam claro que a própria administração do SFH pretendeu regularizar a situação de milhares de cessionários, assegurando-lhes os devidos direitos: "Tal previsão legal não permite concluir outra coisa, senão que as próprias autoridades competentes na área da habitação mostraram-se sensíveis à extensão do uso do chamado ‘contrato de gaveta’, cuja influência é realidade que não pode ser ignorada".

V. Conclusão

Considerando o fato de que já existem dispositivos legais abrindo o caminho para a regularização dos contratos de gaveta e levando em conta os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais no mesmo sentido, sem desprezar, contudo, as ressalvas existentes nas referidas manifestações no tocante aos requisitos para a regularização, pode e deve o chamado gaveteiro, diante da contumaz resistência do agente financeiro em reconhecer o seu contrato, buscar o Judiciário para a satisfação de seu direito.

Notas e referências bibliográficas

(1) Grifo nosso.

(2) A hora certa de regularizar seu contrato de gaveta. ADVOGONLINE. disponível em:http://www.advogonline.com.br/noticias/ahoracertaderegularizarseucontratodegaveta.htm . Acesso em 16 jul.2001. (grifo nosso).

(3)COSTA, Ronaldo Gotlib. Guia do mutuário. Disponível em: <http://www.casaemcasa.com.br/mutuario/default.htm> . Acesso em 17 jul.2001.

(4) STJ. REsp. 70.684. Relator: Min. Garcia Vieira. SITE DO STJ. Disponível em http://www.stj.gov.br/webstj/Default.htm. Acesso em: 24.05.2002.

(5) 4ª TURMA ASSEGURA A CESSIONÁRIA DE CONTRATO DE GAVETA O DIREITO DE AJUIZAR CAUSA CONTRA A (...). SITE DO TRF. DA 2ª Região. Notícias. Disponível em: <http://www.trf2.gov.br/> . Acesso em 24 maio.2002.

Texto confeccionado por: Luiz Cláudio Barreto Silva. Advogado, escritor, Ex-Diretor Geral da ESA da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e professor universitário.

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