5 ministros do STF dizem que Dia da Consciência Negra pode ser feriado municipal

O feriado paulistano do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, não usurpa a competência da União para legislar sobre Direito do Trabalho. Isso porque tal data transcende essa esfera e tem impactos culturais e sociais, com o objetivo de combater o racismo e reduzir a desigualdade no país.Esse foi o entendimento de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal ao declarar, nesta quinta-feira (24/11), a constitucionalidade dos dispositivos de leis municipais que instituíram o feriado do Dia da Consciência Negra em São Paulo (artigo 9º da Lei 14.485/2007 e artigos 1º a 4º da Lei 13.707/2004). Dois ministros votaram para negar a ação e entender que apenas a União poderia estabelecer tal feriado. O julgamento será retomado na sessão da próxima quarta (30/11).

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos ajuizou a arguição de descumprimento de preceito fundamental com o objetivo de que o Supremo encerre de uma vez por todas o debate sobre a competência municipal para "instituir feriados de natureza cívica com alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais".

A entidade aponta a controvérsia decorrente da multiplicidade de jurisprudência dos tribunais e destaca a sentença do da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo que considerou o município incompetente para instituir tal feriado.

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, apontou que o Dia da Consciência Negra não viola o artigo 22, I, da Constituição Federal, que prevê a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. Isso porque a data não trata dessa área, tendo "inegável viés de fomento cultural, como atividade cultura afirmativa, contra ações racistas do passado".

A magistrada ressaltou que o direito à cultura exige ação afirmativa do Estado, buscando igualar os desiguais. Na visão dela, a divisão de competências entre os entes federativos deve fortalecer a identidade dos cidadãos, e não as afastar.

Cármen destacou que o Supremo, ao considerar constitucionais as cotas raciais (ADPF 186), entendeu que a política de ação afirmativa em favor de grupos sociais historicamente discriminados não viola, e sim prestigia o princípio da igualdade.

"O compromisso do STF não é com o constitucionalismo de diferença e de silêncio, mas com um Direito que vive. Não um Direito que se enclausura em um passado perverso", declarou a relatora.

Cármen Lúcia votou para aceitar a ação e declarar a constitucionalidade dos dispositivos de leis municipais que instituíram o feriado do Dia da Consciência Negra em São Paulo. O voto dela foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli.

Alexandre de Moraes afirmou que a instituição do feriado do Dia da Consciência Negra transcende a questão trabalhista. "[O feriado] tem uma função maior, de combate ao racismo estrutural, uma função de zelar por valores culturais e históricos do país."

Para o ministro, não há incompatibilidade entre a Lei federal 12.519/2011, que instituiu o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, e as leis municipais que, em virtude de interesses locais e na grande população negra, estabeleceram um feriado na data em São Paulo, com o objetivo de promover reflexão sobre o passado e enfrentamento ao racismo estrutural.

São objetivos da República Federativa do Brasil, apontou Alexandre, construir uma sociedade livre, justa e solidária; reduzir as desigualdades sociais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º da Constituição). Com base nesses postulados, avaliou, é legítimo que o Estado promova uma ação afirmativa para combater o racismo.

"Dessa forma, a meu ver, na presente hipóteses, é justificável uma interpretação jurídica de políticas estatais baseadas em discriminações ou diferenciações positivas, como essa. É legítima essa previsão de um feriado no Dia da Consciência Negra. Há demonstração empírica que a neutralidade do ordenamento jurídico produz resultados prejudiciais a determinados grupos e indivíduos. É uma inviabilidade fática, não recordar a escravidão, negar o racismo. Todos nós ouvimos aquela eterna ladainha de que o Brasil não é racista, no Brasil houve a miscigenação. É o racismo silencioso. O racismo silencioso corrói a igualdade social e faz perpetuar exatamente o racismo estrutural no Brasil", declarou Alexandre.

Nessa linha, Fachin ponderou que as normas que criaram o feriado em São Paulo não são "legislação de Direito do Trabalho, mas de cultura histórica, de expressão afirmativa concreta da igualdade e do combate ao racismo".

"Se o racismo é um elemento estruturante da sociedade brasileira, o Supremo Tribunal Federal não pode deixar de analisar essa questão sob o prisma constitucional", destacou o ministro.

Já Fux, também lembrando as cotas raciais, citou frase de Joaquim Nabuco, integrante do movimento abolicionista no século XIX: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil."

Competência da União
Os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram da relatora e votaram para negar a ADPF.

Os dois ressaltaram a importância do Dia da Consciência Negra. Porém, entenderam que a classificação da data como feriado compete ao Congresso Nacional. Afinal, tem impacto nas relações de trabalho, e apenas a União pode legislar sobre a matéria.

Fonte: Conjur


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