A reforma da nova Lei de Improbidade Administrativa e sua proteção

Nosso artigo desta semana inspirou-se em tese que tem buscado sustentar que a reforma empreendida pela Lei nº 14.230/2021 teria implicado em (1) regressão no combate à corrupção e, via de consequência, em (2) maior desproteção aos direitos fundamentais, particularmente de grupos de vulneráveis.

No que concerne a (1), o racional inclusive frequentou as ADIs 7.042 e 7.043, recebendo a roupagem de que, admitido um direito fundamental à probidade, uma suposta fragilização de sua defesa esbarraria na vedação ao retrocesso, impedindo atenuações.

Em excelente artigo, Fábio Lima Quintas foi cirúrgico ao abordar o argumento, expondo com didatismo que (1) é no mínimo controversa a existência de um direito fundamental à probidade, (2) a vedação a retrocessos opera sobre implementação de direitos de cunho social, (3) a referida vedação não é de caráter absoluto, não obstando a relativização de direitos por reformas legislativas e (4) não haveria ofensa ao princípio se seguem resguardos um sistema sancionador de atos de improbidade e a possibilidade de ações autônomas de reparação ao erário. Em arremate, dirá o autor, a discordância meritórias de mudanças legislativas não implica sejam elas inconstitucionais. Eis passagem emblemática, ilustrativa do caminho percorrido:



"De todo modo, não se mostra próprio atribuir ao princípio da proibição do retrocesso a rigidez que se tem propagado. Pertinentes, a propósito, as considerações de Marcelo Casseb, que, inicialmente, externa preocupação com a tentativa de 'inviabilizar qualquer medida política ou jurídica excepcional, adotada em situações de particular gravidade", tendo em vista que "a norma constitucional deve ser contextualmente interpretada de acordo com suas possibilidades fáticas e jurídicas'. Feita essa advertência, defende Marcelo Casseb que o princípio da vedação do retrocesso seja compreendido 'como modalidade do princípio da proporcionalidade, que veda ao Estado exercer uma 'proteção insuficiente' dos direitos fundamentais', a concluir que 'o princípio da proibição do retrocesso não deve constituir, em termos absolutos, um óbice intransponível às leis ou às emendas constitucionais que eventualmente venham a limitar ou a suprimir direitos sociais'.

Dessas considerações pode-se extrair que — mesmo admitindo, no plano constitucional, a invocação do chamado direito fundamental de probidade administrativa e a pertinência da invocação do princípio da vedação do retrocesso — não parece correto concluir pela inconstitucionalidade da nova regra legal. Isso porque, como já enunciado, o regime processual vigente estabelece várias formas para o exercício da pretensão de ressarcimento ao erário. Além da legitimação ordinária da pessoa jurídica de Direito Público para perseguir a reparação, vale lembrar que, no plano da legitimação extraordinária, poderá ainda se cogitar do ajuizamento de ação popular pelo cidadão ou de ação civil pública pelos legitimados do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 1985."


Já no que diz respeito ao que sumariado em (2), recente artigo calçou na taxatividade do artigo 11 a suposta insuficiência protetiva a direitos fundamentais, eis que diversas condutas, absolutamente censuráveis, deixariam de ser passíveis de apenação pela via da improbidade (e cita o artigo como exemplos a tortura e os assédios sexual e moral).

Em primeiro lugar, não se deve olvidar que o princípio da legalidade/tipicidade é igualmente direito fundamental (artigo 5º, XXXIX, da Constituição), de modo que não se pode, mesmo sob o signo da proteção a direitos fundamentais, suprimir por completo outro, tão ou mais caro. Direitos fundamentais, afinal, são titularizados por vítimas, certamente, mas também o são por réus em processos sancionadores.

Em segundo lugar, a inexistência de uma cláusula geral de improbidade a possivelmente acomodar toda e qualquer conduta não implica dizer que haja desproteção, mantidas que estão várias outras veredas para salvaguarda de direitos fundamentais. Dito de outro modo, e como temos insistido, a ação de improbidade se tornou vítima da própria efetividade, induzindo a equivocada crença de que seria a única via hábil para tutelar malfeitos.

Em terceiro lugar, as críticas ao fechamento do artigo 11 parecem padecer de um erro de perspectiva: invocando condutas execráveis que teriam ficado de fora do rol a pretexto de sustentar sua insuficiência, o argumento, em lugar de defender a inclusão das citadas ilicitudes na relação, defende uma abertura que contemplaria não só aquelas ilegalidades, mas todo e qualquer agir, ainda que sem relação com a probidade. É dizer, em vez de se advogar a necessidade de que o legislador acresça ao indigitado artigo tal ou qual conduta, a alegação é em favor de uma abertura sem limites – abertura essa que operou uma banalização da improbidade administrativa ensejadora da própria reforma em si.



Enfim, a existir um direito fundamental à probidade administrativa, tal direito não se dá dissociado de outros direitos, bem mais explícitos.

Fonte: Conjur

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