A revisão geral e as armadilhas para os servidores
Após três anos consecutivos sem reajuste, o governo Bolsonaro incluiu no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária para 2022 a autorização para que a lei orçamentária destine recursos para a revisão geral dos servidores públicos federal. Ainda não é uma garantia de reajuste, mas é a condição para que a revisão aconteça e existe espaço no orçamento para isso, considerando que a relação de 95% entre despesa primária obrigatória e despesa obrigatória geral, que impediria tal reajuste, ainda não será alcançada em 2022. Resta saber o que o governo irá exigir em troca.
A última proposta de Lei de Diretrizes Orçamentária (PLDO) que previu revisão geral para os servidores foi encaminhada em 2018 ao Congresso pelo governo Temer para vigorar em 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, mas o Poder Legislativo retirou a previsão de revisão geral, embora tenha criado as condições e depois aprovado o reajuste dos subsídios dos magistrados e membros do Ministério Público, atualizando o teto remuneratório da Administração Pública.
O primeiro PLDO encaminhado por Bolsonaro, em 2019 para 2020, só previa reajuste para os militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), mas o Congresso, com anuência do governo federal, estendeu também a previsão de reajuste para a Polícia Militar e bombeiros do Distrito Federal. No PLDO encaminhado em 2020 para 2021 não contemplou ninguém, apenas manteve as parcelas pendentes dos reajustes concedidos em 2020.
Agora, em 2021, o governo Bolsonaro incluiu a previsão de revisão geral no PLDO para 2022. Essa previsão, entretanto, acontece após o governo ter aprovado: 1) a reforma da Previdência (EC 103), que ampliou tempo de contribuição, aumentou o valor da contribuição, ampliou a idade mínima e reduziu o valor do benefício; 2) a Lei Complementar 173, que congelou os salários até 31 de dezembro de 2021; e 3) a PEC Emergencial (E.C 109), que criou um gatilho que poderá suspender qualquer reajuste sempre que a relação entre despesa primária obrigatória e despesa primária geral, atingir 95%.
Segundo os parâmetros apresentados pelo governo, as despesas obrigatórias frente ao total das despesas primárias atingirão o percentual de 94%. Assim, haverá uma folga reduzida para essa concessão, mas, considerada a sua aplicação apenas sobre as despesas com pessoal civil, a revisão geral, com reposição plena da inflação de 2021, estimada em 4,4% pelo governo, o acréscimo ainda resultaria inferior ao limite estabelecido pela EC 109, de 2021. Mas não haveria, em tese, espaço fiscal para a reposição de todas as perdas acumuladas até março de 2021 desde o início do atual governo (11,25% segundo o IPCA), e menos ainda as perdas acumuladas desde 2017 (18,82%), quando a maior parte do funcionalismo teve seu último reajuste.
É preciso que os servidores fiquem absolutamente atentos porque o governo pode, eventualmente, conceder o reajuste em 2022, mas, em contrapartida, querer, além de implementar as pendências da reforma da previdência e da PEC Emergencial, aprovar a reforma da administrativa, apontada como uma das prioridades da "agenda de reformas" com vistas ao equilíbrio fiscal. Na perspectiva do servidor, o ideal seria a revisão, em percentual que reponha as perdas salariais, sem a supressão ou flexibilização de novos direitos. Vejamos quais são as pendências e porque seria um negócio ruim para os servidores.
A primeira pendência, a da reforma da Previdência, está relacionada à autorização dada pela Emenda à Constituição nº 103 aos governos — nos três níveis — de poderem reduzir o limite de isenção de contribuição dos aposentados e pensionistas para os regimes próprios — de um teto do INSS (R$ 6.433,57) para um salário mínimo (R$ 1.101,95) — caso constatem que os regimes próprios estão deficitários. E se a redução do limite de isenção não for suficiente para cobrir o déficit, os governos podem adotar contribuição extraordinária em favor dos regimes próprios, a ser cobrada não apenas de aposentados e pensionistas, mas também dos servidores ativos.
A segunda pendência está prevista na Emenda Constitucional (EC) nº 109, conhecida como PEC Emergencial, e consiste na redução de isenção e de incentivos fiscais em geral, inclusive aos assalariados. Trata-se do 4º da referida EC 109, que determina que o presidente da República envie ao Congresso, em até seis meses da promulgação da emenda constitucional (portanto até setembro de 2021), plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, particularmente a dedução no imposto de renda das despesas com saúde e educação e a isenção do Imposto de Renda de idosos e pessoas aposentadas por invalidez. A redução ou eliminação dessas renúncias fiscais deverão figurar no plano de contenção para cumprir a meta de redução de renúncias fiscais dos atuais 4% para 2% do PIB em oito anos.
A terceira possibilidade seria a aprovação da reforma administrativa, outro tema que afeta negativamente os servidores públicos e que aguarda deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. A PEC 32, está entre as prioridades do governo e do presidente da Câmara, a ponto de, mesmo ainda estando aguardando parecer na CCJC, já ter nomes indicados para a presidência da comissão especial que irá examinar o mérito da matéria. Tratam-se respectivamente dos deputados Fenando Monteiro (PP-PE) e Arthur Maia (DE-BA), este último o relator da terceirização generalizada de mão de obra, matéria que antecedeu à aprovação da reforma trabalhista em 2017, e relator da PEC da reforma da Previdência no governo Temer.
Frente a esse histórico, é bom ficar atento para evitar que em nome da revisão geral — um pequeno reajuste na remuneração — outros custos e perdas de direitos sejam exigidos. Os servidores, que foram escolhidos como a variável do ajuste fiscal, já foram muito sacrificados, tanto com a perda do poder de compra do salário — que tem natureza alimentar — quanto com a eliminação de direitos trabalhistas e previdenciários.
Fonte: ConJur