A taxa Selic e a irretroatividade da EC 113/2021

O artigo 3º da Emenda Constitucional 113, de 2021, assim dispõe: "nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente".

Tal previsão não pode ser aplicada retroativamente para períodos e casos anteriores, nem pode atingir as coisas julgadas até então formadas. A previsão de um novo índice de correção não pode alcançar períodos anteriores, em razão do princípio da irretroatividade das leis, concretizador da segurança jurídica.

Vale dizer que os precatórios são monetariamente corrigidos pela Selic, somente a partir de 9 dezembro de 2021, data do início de vigência da Emenda Constitucional 113, de 2021.

A Constituição, em seu artigo 5º, XXXVI, regrou a proibição de restrição do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada. A regra é inflexível. A nova lei não pode desfazer o ato jurídico perfeito, nem o direito adquirido, nem a coisa julgada. Qualquer que seja a natureza da lei, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada estão preservados. Nem mesmo razões de ordem pública podem superar a rigidez estabelecida pela Constituição.

As leis têm efeito geral e imediato, aplicando-se, desde logo, para todos que se insiram na sua abrangência. As leis são editadas para reger fatos futuros, que ainda vão ocorrer. Em razão do artigo 5º, XXXVI, da Constituição, as leis não podem retroagir.



Há, na verdade, três tipos de retroatividade: a máxima, a média e a mínima.

A retroatividade máxima ocorre quando a lei nova desfaz o ato já praticado; a média, quando a nova lei disciplina, integralmente, os efeitos do ato já praticado, alcançando, inclusive, aqueles pendentes; a mínima, quando a lei nova colhe efeitos futuros de ato já praticado.

No sistema brasileiro, em razão da previsão constitucional de irretroatividade das leis, nenhuma dessas retroatividades é admitida. Assim, praticado um ato, a nova lei não pode atingi-lo, não podendo também alcançar os seus efeitos, pendentes ou futuros.

Quando se trata de mudança constitucional, com o advento de uma nova Constituição (decorrente do exercício do poder constituinte originário), as novas normas constitucionais têm efeito imediato, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima), mas não desconstitui os fatos já consumados no passado (retroatividade máxima). A eficácia imediata da Constituição só alcança os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima), não colhendo os fatos consumados no passado (retroatividade máxima).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Em geral, não alcançam os fatos consumados no passado nem seus efeitos já produzidos. É possível, porém, que haja previsão expressa para alcançar fatos já consumados ou efeitos já produzidos de fatos anteriores (retroatividades máxima e média).

Somente uma nova Constituição pode produzir retroatividade mínima. Já uma nova Constituição Estadual está sujeita à vedação do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, não podendo a aplicação imediata de suas normas alcançar qualquer ato, nem efeitos já produzidos, pendentes ou futuros. Em outras palavras, as normas de uma nova Constituição Estadual não podem acarretar qualquer retroatividade, nem mesmo a mínima.

Qualquer lei nova também está sujeita à exigência constitucional de irretroatividade. O artigo 5º, XXXVI, da Constituição aplica-se a emendas constitucionais, sem qualquer distinção: não é possível qualquer tipo de retroatividade, nem a máxima, nem a média, nem a mínima.

Também não importa a natureza do direito contido na lei ou na emenda constitucional. Aliás, como já decidiu o STF, ao julgar a ADI 1.220, "Lei que estipula índices de correção monetária a serem aplicados a períodos aquisitivos anteriores à sua entrada em vigor viola a garantia do direito adquirido".

Tome-se como exemplo uma dívida judicial do ente público, com data base em 1º de janeiro de 2018, sujeita mensalmente a IPCA-E. A cada mês vencido, a correção monetária incidia sobre o valor da dívida. Essa incidência do IPCA-E se aperfeiçoa mês a mês. A nova regra, ainda que de estatura constitucional, não pode retroagir para desfazer a incidência mensal da correção monetária, que ocorreu de acordo com a regra então vigente, sob pena de retroação vedada pela Constituição. Ainda nesse mesmo exemplo, a nova regra não existia durante os anos de 2018, 2019, 2020 e quase a totalidade de 2021. Logo, não pode ser aplicada nesse período, pois não pode retroagir. Somente a partir de 9 de dezembro de 2021, com a vigência da Emenda Constitucional 113, é que passa a incidir a Selic, em substituição ao IPCA-E.

Enfim, a Selic é o índice a ser aplicado nas condenações judiciais que envolvam a Fazenda Pública, mas somente depois de 9 de dezembro de 2021, quando entrou em vigor a Emenda Constitucional 113, de 2021, não podendo ser aplicada retroativamente.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

Fonte: Conjur

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