Adiantamento para futuro aumento de capital social e a (não) incidência de IOF

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) já foi objeto de análise nesta coluna, oportunidade em que se observou a discussão travada no Carf quanto à incidência ou não de tal imposto em operações de contrato de conta corrente. Hoje voltaremos a repercutir esse tributo, mas agora para avaliar como a jurisprudência do tribunal tem tratado a incidência do IOF nas hipóteses de adiantamento para futuro aumento de capital social de uma pessoa jurídica, vulgarmente conhecido como Afac.

Antes, todavia, de analisar alguns precedentes do Carf para a matéria, mister se faz circunstanciar essa discussão.

Nesse sentido, o que comumente se observa nesses debates são acusações fiscais no sentido de que, na hipótese de uma pessoa jurídica registrar contabilmente o recebimento de valores a título de adiantamento para futuro aumento de capital social por parte dos seus sócios e/ou acionistas, a realização desse adiantamento deveria se perfazer na primeira oportunidade em que houvesse alteração do citado instrumento societário, com prazo máximo de tolerância de 120 dias, sob pena de tal antecipação caracterizar-se como mútuo e, com isso, atrair a incidência do artigo 13 da Lei nº 9.779/99 para fins de incidência de IOF.

O parâmetro utilizado pela fiscalização para estatuir o sobredito limite — primeiro ato formal de alteração do contrato social ou o prazo de 120 dias — é veiculado pelo Parecer Normativo CST nº 17/84, que, em seus itens 7.1 e 7.1.1, assim conclui:

"7.1 - Entendemos como razoável que o aumento de capital seja realizado por ocasião do primeiro ato formal da sociedade coligada, interligada ou controlada, que ocorra imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros, seja Assembleia Geral Extraordinária (AGE), para as sociedades por ações, ou alteração contratual, para as demais sociedades.

7.1.1 - Não ocorrendo um daqueles eventos previstos em 7.1, o prazo máximo de tolerância será de até 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a sociedade coligada, interligada ou controlada tenha recebido os recursos financeiros."



Os contribuintes, por seu turno, contestam a juridicidade da incidência do citado Parecer Normativo no âmbito do IOF, o que se baseia em diferentes motivos.

O primeiro deles diz respeito a inaplicabilidade de tal ato no âmbito do IOF, já que tal Parecer tinha por objeto o Imposto sobre a Renda à época em que dividendos eram passíveis de tributação por esse imposto. Assim, aludido parecer não tratou da incidência de IOF em operações de mútuo, tendo por único objetivo, em verdade, evitar o cometimento de abusos no âmbito do IR; seu intuito era coibir que uma distribuição disfarçada de lucro (DDL) entre empresa coligadas fosse indevidamente tratada como Afac.

Como desdobramento desse primeiro ponto, os contribuintes alegam inexistir qualquer previsão legal, seja de caráter tributário ou de viés societário, que estabeleça um limite ou termo para a realização da Afac. Em outros termos, entende-se que tal limite estaria sendo "criado" por uma interpretação analógica e de caráter extensivo do entendimento exarado no Parecer Normativo CST nº 17/1984, o que, por conseguinte, redundaria em ofensa ao princípio da legalidade.

Por fim, os contribuintes alegam existir uma clara distinção entre os institutos do mútuo e do Afac, já que o mútuo pressupõe que o mutuário devolva ao mutuante a coisa fungível do mesmo gênero, qualidade e quantidade, nos termos do artigo 586 do Código Civil, diferentemente do que ocorre na Afac, onde o valor aportado pelos sócios/acionistas não será objeto de devolução, mas sim de realização no capital social da empresa investida.

De forma muito sumária, esses são os fundamentos trazidos de lado a lado a circunstanciar a presente discussão. Pois bem. Feitas essas considerações preambulares, convém agora se debruçar sobre a jurisprudência do Carf para a matéria.

Até antes da inserção do artigo 19-E no âmbito da Lei nº 10.522/02, a questão se encontrava dividida no seio das Turmas Ordinárias, porém havia sido pacificada na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) da 3ª Seção, por maioria de votos, em favor do entendimento fiscal. Tal entendimento havia se consolidado no âmbito do Acórdão Carf nº 9303-009.885, oportunidade em que o tribunal entendeu como válido o disposto no Parecer Normativo CST nº 17/1984 e a sua extensão analógica para o IOF.

Tal questão, todavia, foi objeto de nova análise por parte da CSRF da 3ª Seção, em recente julgado, mais precisamente em sessão realizada em 18/2/2022 e, portanto, já quando vigente o artigo 19-E da Lei nº 10.522/02. Nessa oportunidade, por voto de qualidade favorável ao contribuinte, saiu vencedora a posição externada pela conselheira Tatiana Midori Migiyama, conforme se observa da ementa do Acórdão Carf nº 9303-012.913, in verbis:

"ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. FALTA DE NORMA ESPECÍFICA PARA DESCARACATERIZAR A OPERAÇÃO DE AFAC COM ENQUADRAMENTO COMO OPERAÇÃO DE MÚTUO. IOF.

Não cabe desenquadrar uma operação como AFAC, caracterizando-a como mútuo para fins de exigência do IOF, sustentando, entre outros, como motivação o fato de o contribuinte não ter observado os requisitos dispostos pelo Parecer Normativo CST 17/84 e IN SRF 127/88, que impuseram, entre outros, a observância de prazo limite para a capitalização dos AFACs. Tais atos, inclusive, foram formalmente revogados, vez que se referiam a dispositivo do Decreto-Lei 2.065/83, que tratava de correção monetária de Balanços."



Segundo a conselheira indicada para a elaboração do voto condutor, o referido parecer normativo (1) foi veiculado para tratar de IR, com o objetivo de evitar DDL, o que tornaria indevida sua extensão para os casos de IOF, além de (2) padecer de ilegalidade, na medida em que criou um limite não previsto em lei para a realização de Afac. De forma muito resumida, essas foram as razões de decidir a sustentar aludido posicionamento.

Acontece que, diante da inexistência de uma finalização por parte do Supremo Tribunal Federal quanto à conclusão do julgamento das ADIs que contestam a constitucionalidade do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, a dúvida que fica é se tal entendimento já pode ou não ser considerado como representativo da posição institucional do tribunal para o tema. A nosso ver, até que o STF encerre o julgamento das ADIs referidas, é prudente aguardar um pouco mais para então se afirmar que existe uma posição consolidada para a matéria.

Fonte: Conjur

Todos os direitos reservados

MPM Sites e Sistemas - CNPJ: 12.403.968/0001-48