Alguns regimes aduaneiros especiais já foram tema da coluna. Hoje vamos analisar uma das modalidades do gênero admissão temporária, qual seja a admissão temporária para utilização econômica. Se determinada empresa brasileira estiver negociando um contrato de prestação de serviços com um cliente no mercado interno e para tanto identificar que certo bem produzido no exterior lhe permitirá atender ao escopo do contrato com maior eficiência poderá optar por importá-lo, temporariamente, sem sujeitar-se à tributação integral. Mesmo tratamento e possibilidades podem ser aproveitados por indústrias brasileiras quando importem equipamentos que venham a lhes possibilitar produzirem outros bens a serem vendidos no mercado interno. Nessas hipóteses há tratamento extrafiscal incentivador do incremento da atividade econômica nacional permitindo aos importadores (prestadores de serviços ou industriais) o pagamento proporcional dos tributos federais incidentes sobre a importação — imposto de importação, IPI, PIS e Cofins (artigo 373, §2º, RA/09).
Ilustrativamente, imaginemos que Empresa A fosse contratada para realizar obras de construção de um porto por um prazo de 24 meses e precisasse de dragas que seriam utilizadas tão somente naquela atividade. Terminada a obra nenhuma outra utilidade teriam no Brasil para esse prestador de serviços. Não lhe conviria, destarte, adquirir a propriedade dos equipamentos. Nesse caso, seria mais recomendável uma introdução temporária do bem em território nacional mediante contrato de locação ou de arrendamento operacional. Entretanto, considerando ser a entrada de produto estrangeiro no território nacional o fato gerador do imposto de importação, conforme previsto no artigo 1º do Decreto-Lei no 37/66, a empresa estaria sujeita a toda tributação inerente à sua concretização. É que a hipótese de incidência do imposto de importação não tem relação com o negócio jurídico subjacente e se a entrada do produto importado no território nacional será definitiva, ou não. No mesmo sentido, além da do II seriam concretizadas, de igual forma, as hipóteses de incidências do IPI, do PIS e da Cofins sobre a importação e o bem estrangeiro deveria ser tributado integralmente.
Não é esse o caso. No viés extrafiscal, inerente aos regimes aduaneiros especiais, a entrada temporária de bens destinados à prestação de serviços ou à produção de outros bens a serem vendidos, desde que tal importação se dê sob o amparo de contratos de locação internacional, arrendamento operacional ou comodato (artigo 374, caput, RA/09), é permitida mediante o recolhimento proporcional dos quatro tributos federais (II, IPI, PIS e Cofins) apurado à base de 1% ao mês de permanência do bem no Brasil, conforme prazo pactuado com o exportador. Se o prazo previsto no contrato for de 36 meses, por exemplo, o importador recolherá 36% do montante total dos tributos devidos. Antes do término do prazo, se as partes decidirem prorrogar o contrato (artigo 374, RA/09 e 37, §4º e 66 da IN RFB no 1.600/15), o importador poderá requerer a continuidade do regime com o recolhimento do montante correspondente seguindo a mesma regra (1% x novo prazo contratual). A sistemática pode se repetir sucessivamente até o limite de cem meses (artigo 374, §1º, RA/09). Se o limite temporal for atingido, o importador, nos termos do artigo 374, §1º, RA/09, deverá extinguir o regime sendo-lhe "facultada a transferência para outro regime aduaneiro especial, inclusive a concessão de nova admissão temporária, que poderá ocorrer sem a necessidade de saída física dos bens do território nacional".
Na análise desse regime podemos destacar alguns aspectos relevantes de intersecção do Direito Civil, Aduaneiro e Tributário. Vejamos. O primeiro é a necessidade de observância criteriosa dos negócios jurídicos eleitos pela legislação para o tratamento aduaneiro e tributário em comento: somente contratos de locação, arrendamento operacional e comodato na importação podem preencher os requisitos para adoção do regime. Quanto à destinação, somente as utilizações econômicas eleitas pela legislação — prestação de serviços ou produção de outros bens para venda, validam o tratamento aduaneiro especial.
Os conceitos de direito privado devem ser igualmente observados para os efeitos tributários da aplicação do regime especial, tudo em sintonia com o que preconiza o artigo 110 do CTN eis que estamos em ambiente aduaneiro e tributário, diante da realização de fatos geradores e apuração do quantum debeatur. E nesse sentido, duas observações sobressaem: uma relativa aos tributos federais, a outra quanto ao ICMS.
A primeira refere-se à utilização de ficção jurídica para exigência de tributos. Se o equipamento ou máquina admitido temporariamente para utilização econômica permanece por cem meses no território nacional, em decorrência dos prazos contratuais, original e eventuais prorrogações e, por conseguinte, 100% dos tributos forem recolhidos, se o contrato for prorrogado e o importador mantiver o bem no território nacional, com saída ficta e nova admissão no regime, como lhe faculta a legislação (artigo 374, §2º, RA/09 e artigo 75, IN RFB no 1.600/2015), não se lhe deveria exigir novos recolhimentos de tributos ainda que proporcionais ao tempo do novo contrato. É que para uma entrada de bem estrangeiro nasce uma obrigação tributária. Se a legislação opta pela cobrança proporcional dos tributos sob certas condições não poderá, por ficção, como fez o artigo 75 IN RFB no 1.600/2015, considerar ocorrido um (inexistente) novo fato gerador se o mesmo não se concretiza no mundo fático. São princípios constitucionais tributários como da legalidade, da tipicidade cerrada e da capacidade contributiva aplicáveis à matéria, fixando bordas à atividade estatal.
Nesse sentido, recentemente, o juiz federal da 21ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais, dr. Daniel Carneiro Machado sentenciou: "Ora, de fato, (...), ao conceder ‘novo regime de admissão temporária’, a RFB considerou, sem respaldo legal, a concretização de forma ficta de uma nova incidência tributária sobre a mesma importação (mesmas DIs), os mesmos bens, e, por conseguinte, criou um novo fato gerador inexistente, o que atenta contra o princípio da legalidade tributária, uma vez que não ocorreu novo fato gerador (internalização da mercadoria)".
Outrossim, os contratos exigidos para a admissão no regime, como vimos de ver, não se coadunam com a transferência da titularidade do bem importado. Dessa maneira afastam-se do campo de incidência do ICMS—importação preconizando que toda importação via admissão temporária para utilização econômica é intributável pela exação estadual. O Supremo Tribunal Federal já sedimentou no julgamento do RE nº 540.829/SP, Tema 297, os precisos contornos da exigência legítima do ICMS—importação no que tange aos contratos internacionais subjacentes. A espécie do julgado tratava de leasing financeiro internacional e a Corte Suprema reconheceu a indispensabilidade da transferência da titularidade do bem importado para o importador a fim de legitimar a imposição do ICMS. Em espartana observância aos limites fixados pelo intérprete da Constituição não é legítimo aos estados, diante de uma admissão temporária para utilização econômica, a cobrança do ICMS seja na sua integralidade, seja na proporcionalidade acompanhando a tratativa federal.
Um outro ponto de destaque do regime refere-se aos juros exigidos na sua prorrogação, conforme prevê o artigo 64 da IN RFB no 1.600/2015. A exigência parte do pressuposto de que o fato gerador ocorreu na data do registro da DI de início do regime. Se, digamos, após 24 meses desse registro prorroga-se o contrato de permanência temporária para mais 12 meses, o importador estará sujeito aos tributos proporcionais com o acréscimo de juros moratórios calculados desde a data do início do regime. Reiteradas decisões judiciais afastam a legalidade dessa cobrança. Entre os argumentos encontram-se a ausência de base legal no artigo 79, da Lei no 9.430/96; ausência de previsão no RA/09 e a inexistência de mora por parte do importador a ensejar aplicação do artigo 161, do CTN, na medida em que a tributação está suspensa, portanto não se configura a justa hipótese para incidência dos juros.
Sobre o momento da ocorrência do fato gerador na admissão temporária para utilização econômica para efeito de cálculo dos tributos devidos vale destacar a outrora inclusão do inciso IV ao texto original do artigo 73 do RA/09. Essa disposição pôs termo a uma outra celeuma no trato da matéria: se para efeito de cálculo dos tributos dever-se-ia considerar ocorrido o fato gerador na admissão do bem no regime, ou na data do registro da DI para consumo visando sua nacionalização. O litígio se instaurava se na primeira data não existisse, por exemplo, um Ex tarifário e, na segunda, a exceção à tributação estivesse em vigor. Nesse cenário, o importador pretendia beneficiar-se do tratamento mais vantajoso para nacionalizar o bem e extinguir o regime. A inclusão do inciso IV no artigo 73 do RA/09 determinou que após a permanência temporária, se a extinção do regime vier a se dar via despacho para consumo, a legislação aplicável será aquela da data do registro da declaração de admissão do bem no regime porque ali se considera ocorrido o fato gerador do imposto de importação.
Por fim, vamos à base de cálculo para tributação proporcional. Essa relaciona-se com a valoração aduaneira nos regimes aduaneiros especiais. Como já ficou estabelecido, bens em admissão temporária para utilização econômica não são objeto de compra e venda, do que decorre o afastamento do primeiro método de valoração aduaneira que tem tal negócio jurídico como elemento essencial, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 1 do AVA-Gatt e do artigo 4º da IN RFB no 2.090/2022. O artigo 22 da referida Instrução Normativa prevê no caso dos regimes aduaneiros especiais que o valor aduaneiro deverá ser declarado com base em um dos métodos substitutivos previstos no AVA-Gatt. O valor declarado para apuração da tributação proporcional poderá ser revisto pela fiscalização aduaneira a qualquer tempo, caso surjam dúvidas quanto a sua regularidade (artigo 22, §2º, IN RFB no 2.090/2022), assim como a sua fixação inicial não impede sua alteração com base nos métodos substitutivos no caso de descumprimento do regime ou no despacho para consumo (art. 23, IN RFB no 2.090/2022). Nesse sentido, para segurança do beneficiário do regime é recomendável redobrada atenção ao instrumento contratual firmado com o exportador e ao valor declarado, incluindo a análise do Estudo de Caso 4.1 e Estudo 2.1 retratados no Anexo Único da IN RFB no 2.090/2022. Ambos versam sobre o tratamento aplicável a mercadorias arrendadas ou objeto de arrendamento mercantil. Colhe-se do Estudo 2.1 as seguintes observações: (1) deve-se tentar aplicar do segundo ao quinto método, se isso for possível, para definição do valor aduaneiro; (2) não o sendo, aplica-se o sexto e último método devendo serem utilizados meios razoáveis, desde que não sejam vedados e sejam consistentes com os princípios e disposições gerais do acordo e do Artigo VII do Gatt-94. A título de exemplo menciona-se a possibilidade de utilização de lista de preços vigentes para mercadorias novas ou usadas, levando-se em conta a depreciação e a obsolescência dos bens na data da nacionalização, e a possibilidade de utilização de laudo pericial aceitável pela aduana e pelo importador.
A par de sua grande utilidade a admissão temporária para utilização econômica encerra, como visto, aspectos controvertidos que merecem avaliação cuidadosa por seus beneficiários.
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