As possibilidades de crédito de PIS/Cofins pela regra da imposição legal
O tema da apropriação de crédito de PIS/Cofins de insumos tem sido muito debatido no meio tributário nos últimos anos e ainda que o Superior Tribunal de Justiça tenha definido em fevereiro de 2018, em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.221.170/PR), quais são os critérios utilizados para se conceituar o insumo, a verdade é que os contribuintes nunca se sentem totalmente confortáveis em se apropriar de certos gastos, pois não há disposição legal objetiva que determine exatamente qual é o conceito de insumo.
A insegurança se torna maior quando são envolvidos bens ou serviços decorrentes de exigência legal, visto que geralmente não se tratam de insumos incorporados diretamente no produto final ou do serviço prestado, mas de outras situações que por lei — no conceito mais amplo — os contribuintes ficam obrigados a cumprir para garantir a continuidade da atividade ou com intuito de manter a qualidade e/ou volume de suas operações. É exatamente por isso que os contribuintes ficam ainda mais receosos em se aproveitar dos créditos sobre tais valores, ainda mais no cenário em que a Receita Federal tem olhado com maior cautela para os créditos dessa natureza.
Como de conhecimento dos contribuintes tributados pelo lucro real, as contribuições ao PIS/Cofins são regidas pelo princípio da não cumulatividade, previsto no artigo 195, §12, da Constituição Federal e artigo 3º das Leis nº 10.833/03 e nº 10.637/2002. Nesse contexto, o STJ definiu os critérios para que bens e serviços sejam considerados insumos. Segundo os ministros,
"o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância". Portanto, para caracterizar determinado item (bem ou serviço) como insumo, deve ser considerada a imprescindibilidade ou a importância para com a atividade econômica desenvolvida pela empresa.
No caso da imposição legal, esses dispêndios foram incluídos no conceito de insumos geradores de créditos de PIS/Cofins em razão de sua relevância, pois embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, acabam por integrar indiretamente a atividade econômica em razão da obrigatoriedade prevista na legislação. Ou seja, as empresas são obrigadas a ter determinados gastos derivados de normas regulatórias, sanitárias, trabalhistas, ambientais, entre outras hipóteses.
Nesse sentido, após a decisão da corte superior, a Receita Federal publicou o Parecer Normativo Cosit nº 05/2018, em que foram apresentadas as principais repercussões decorrentes do novo conceito, com posterior inserção na Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019. Atualmente, a Receita Federal vem adotando o posicionamento da corte com maior frequência, como se verifica dos exemplos abaixo em que se permitiu o creditamento de PIS/Cofins na modalidade de insumo:
—
Solução de Consulta nº 32/2020: fornecimento de EPI para os colaboradores, imposto pelo Decreto nº 3.048/99 e Regulamento da Previdência Social (artigo 338);
—
Solução de Consulta nº 156/2020: fornecimento de uniformes na padaria, confeitaria e lanchonete, quando integrarem por imposição legal o processo de produção de bens a serem vendidos nesses setores do supermercado;
—
Solução de Consulta nº 45/2020 e 7081/2020: fornecimento de vale-transporte ao funcionário, devido previsão do Decreto nº 95.247/87, pelo dever de garantir o deslocamento dos funcionários dentro da atividade e no transporte de caso ao trabalho, e vice-versa.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também vem decidindo favoravelmente aos contribuintes que possuem despesas com bem ou serviço advindos de compulsoriedade de normas, como nos casos a seguir:
—
Acórdão nº 3003-001.184: em análise ao caso de empresa industrial que trabalha com artigos de couro, definiu-se que para a apuração de crédito de PIS/Cofins pode ser aplicado o conceito de insumo às despesas com tratamento de resíduos industriais. Entendeu-se que havia pertinência dessas despesas em relação à atividade produtiva e pela necessidade para a salubridade das dependências produtivas no caso da remoção dos resíduos indústrias, enquadrando-se no referido conceito de insumos para fins de creditamento do PIS/Cofins;
—
Acórdão nº 9303-009.655: definiu-se que são exemplos de itens utilizados no processo de produção de bens ou de prestação de serviços e que, por exigência da legislação, podem ser considerados insumos para fins de creditamento de PIS/Cofins: a) os testes de qualidade de produtos produzidos exigidos pela legislação, no caso de indústrias; b) tratamento de efluentes do processo produtivo exigido pela legislação;
—
Acórdão nº 3402-006.998: o contribuinte pleiteava pelo reconhecimento de crédito de PIS/Cofins como insumo sobre a despesa com seguro de carga. Nesse caso, embora o contribuinte se dedique à prestação de serviço de transporte (o que já poderia enquadrá-la como insumo em razão da essencialidade), o Carf reconheceu que, por se tratar o seguro de cargas transportadas uma exigência legal (artigo 20, 'm' do Decreto-lei nº 73/1966), a despesas também se enquadra igualmente no critério da relevância.
Além da movimentação da Receita Federal e do Carf, recentemente a Justiça Federal de 1º grau do TRF-3 (5003440-04.2021.4.03.6000) decidiu no mesmo sentido, determinado que os gastos para a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) podem ser considerados como insumos, pelo critério da essencialidade ou relevância, tendo em vista que há uma imposição legal na adoção das medidas pelas empresas, sendo legítimo o crédito de PIS/Cofins sobre esses valores. Curioso mencionar que no caso tratava-se de uma empresa revendedora, isto é, o Judiciário manifestou entendimento que pode haver insumo na atividade comercial.
Assim, fica cada vez mais evidente que os contribuintes possuem elementos para sustentar o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre os dispêndios decorrentes de imposição legal (seja por lei, decreto ou qualquer outra normativa que encarregue ao contribuinte arcar com dispêndios para manter-se em atividade).
Diante das inúmeras exigências que tem surgido por parte da legislação para que as empresas possam continuar operando normalmente — como, por exemplo, em São Paulo, onde a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) condicionou a implantação da logística reversa de embalagens para empresas obterem ou renovarem suas licenças ambientais, estas devem estar atentas aos gastos decorrentes dessas obrigações legais para se aproveitar dos créditos de PIS/Cofins sob a ótica dos insumos e do princípio da não cumulatividade.
Fonte: Conjur