Carf analisa limites de dedução dos JCP após operação de incorporação "linha a linha"
Nesta semana, trataremos dos precedentes do Carf acerca dos limites de dedução dos juros sobre o capital próprio após uma operação de incorporação "linha a linha".
Os juros sobre o capital próprio foram instituídos no ordenamento pátrio por meio do artigo 9º da Lei 9.249/95, que possibilitou que as pessoas jurídicas deduzam para efeitos de apuração do lucro real os juros pagos ou creditados aos sócios ou acionistas a título de remuneração de capital, sendo que tais juros serão calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação “pro rata dia” da TJLP.
Todavia, após realizado o cálculo nos termos do caput, é fundamental que seja feita a análise do limite de dedução dos juros, que está presente no §1º do artigo 9º da Lei 9.249/95, isto é, o limite de dedução dos juros será o maior entre: (i) 50% do lucro do exercício antes da dedução dos juros sobre o capital próprio; e (ii) 50% do saldo dos lucros acumulados e reservas de lucros.
Vale notar que a operação de incorporação de sociedade possui previsão específica no artigo 227 da Lei 6.404/76, que a define como operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
Assim, a não ser em uma situação em que as sociedades incorporadora e incorporada tenham uma relação de subsidiária integral, na qual uma delas detenha 100% das ações da outra, haverá a necessidade de um aumento de capital na sociedade incorporadora, que receberá o patrimônio da incorporada e emitirá ações aos antigos detentores das ações da incorporada em contrapartida àquele patrimônio recebido.
Os detalhes acerca de cada operação de incorporação constarão no denominado protocolo da incorporação, de forma que nele estarão presentes informações como a quantidade de ações que será emitida em nome dos sócios da incorporada, dentre tantos outros dados. Trago aqui a redação integral do artigo 224 da Lei 6.404/76.
Destaque-se que o inciso V do referido dispositivo normativo estabelece que constará no protocolo "o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação".
A mera redação do dispositivo pode demonstrar que não necessariamente os valores do capital ou das demais contas do patrimônio líquido serão simplesmente transpostos para o capital social da incorporadora. Caso contrário, não haveria necessidade de que tais informações existissem no protocolo da incorporação.
Ao dar margem que tais informações sejam dispostas no protocolo, nota-se que não há uma proibição à chamada incorporação "linha a linha".
Não bastassem os referidos pontos, é importante verificar que também inexiste menção proibitiva de tal modalidade de operação no âmbito das normas de juros sobre o capital próprio. A partir da leitura do artigo 9º da Lei 9.249/95, verifica-se que o cálculo dos juros sobre o capital próprio leva em consideração as contas do patrimônio líquido (especificadas em parágrafo posterior do mesmo artigo).
Desse modo, não haveria diferença no que tange ao cálculo em si dos juros sobre o capital próprio, pois tanto em uma incorporação "linha a linha" quanto em uma incorporação em que todo o patrimônio líquido da incorporada fosse vertido como aumento de capital na incorporadora o valor do patrimônio líquido após a incorporação seria idêntico.
Todavia, pode haver uma controvérsia no que tange ao limite de dedução dos juros sobre o capital próprio a 50% do saldo de lucros acumulados ou reservas de lucros.
Isso se dá uma vez que se todo o patrimônio líquido da incorporada for vertido como aumento de capital na sociedade incorporadora, o montante de 50% do saldo de lucros acumulados ou reservas de lucros não incluirá os saldos de lucros acumulados ou reservas de lucros da incorporada, uma vez que eles foram integralizados ao capital social.
Por outro lado, se a operação de incorporação foi feita na modalidade "linha a linha", as contas de lucros acumulados e reservas de lucros da incorporada foram transferidas para o patrimônio da incorporada sem que elas fossem transpostas para a conta de capital social. Com isso, o limite de 50% do saldo de lucros acumulados ou reservas de lucros ficará mais alto, pois englobará tanto os saldos originais da incorporadora quanto os saldos advindos da incorporada (partindo-se do pressuposto de que os saldos na incorporada são positivos).
No âmbito da doutrina são escassas as discussões acerca de tal tema.
A partir da análise do Parecer Normativo CST 462/71, Jeferson Roberto Nonato manifesta o entendimento de que a majoração do limite dos juros sobre o capital próprio por meio da realização de uma incorporação "linha a linha" constitui uma ilegalidade tributária.
Com a devida vênia, quer nos parecer que o Parecer Normativo CST 462/71 tratava de situação em que o patrimônio líquido da incorporada era negativo, existindo conta de prejuízos acumulados superior ao montante do capital social, bem como a referida norma tributária era do tempo em que havia tributação sobre a distribuição de dividendos, daí o parecer concluir pelo tratamento de distribuição disfarçada de lucros.
Também merece destaque a análise da referida situação por Raphael Lavez, que aponta: "não se vislumbra óbice, ao menos expresso, na lei societária, para que parcela do acervo líquido cindido seja destinada à constituição de reserva de lucros, mantendo-se a classificação originária das contas patrimoniais da sociedade sucedida".
Feitas as primeiras observações sobre o tema, verificaremos os precedentes do Carf que tratam do assunto.
No Acórdão 103-23.561 (de 17/09/08), foi dado provimento ao recurso do contribuinte, por maioria de votos, possibilitando que o limite dos juros sobre o capital próprio incluísse o montante dos saldos de lucros acumulados oriundos da incorporação "linha a linha" de saldos provenientes de cisões parciais de outras entidades.
Embora tal acórdão não trate precisamente da possibilidade jurídica da incorporação "linha a linha", a decisão pressupôs a sua validade, pontuando inclusive que os saldos de lucros acumulados e de reserva de lucros da incorporada e da incorporadora poderiam ser adicionados na contabilidade da incorporadora.
No Acórdão 1401000.946 (de 06/03/13), decidiu-se, por maioria de votos, pela impossibilidade de que o montante dos lucros acumulados e reservas de lucros de sociedade incorporada fosse utilizado para fins de cálculo do limite de juros sobre o capital próprio da incorporadora.
É interessante ressaltar que constou expressamente na ementa que "não se aplica a incorporação horizontal, inadmissível em nosso ordenamento jurídico, sendo desconsiderado a situação contábil e jurídica da incorporada".
No caso concreto, discutiu-se que a eventual permissão para uso dos saldos da incorporada poderia possibilitar que tanto a incorporada quanto a incorporadora se utilizassem do mesmo saldo para pagamento dos juros sobre o capital próprio, sobretudo quando estivesse sendo discutido o pagamento de juros sobre períodos anteriores.
Tal assunto voltou à tona recentemente quando da discussão do Acórdão n. 9101-005.951 (de 07/02/22), resultando de recurso especial interposto pelo contribuinte contra o referido Acórdão 1401000.946.
No que diz respeito à matéria "observância dos limites para a dedutibilidade dos JCP", foi dado provimento ao recurso por determinação do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, acrescido pelo art. 28 da Lei nº 13.988/20, em face do empate no julgamento.
No voto vencido, o conselheiro relator reafirma os principais argumentos do Acórdão recorrido, também fazendo menção ao teor do Parecer Normativo CST n. 462/71 e ao artigo “Incorporação Horizontal”, de autoria de Jeferson Roberto Nonato.
Por outro lado, consta no voto vencedor a inexistência de proibição para a realização de operações de incorporação "linha a linha", de modo que é possível que as contas do patrimônio líquido da incorporada sejam transposta para o patrimônio da incorporadora, sem que necessariamente todo o montante seja integralizado como capital social.
Também há declaração de voto no mesmo sentido, apontando que tais operações são realizadas com certa frequência pelas entidades e não em função de razões tributárias. Além disso, consta um pouco da história dos juros sobre o capital próprio e como tal instituto nasce para mitigar os efeitos do fim da correção monetária de demonstrações financeiras.
Assim por uma interpretação jurídica mais literal, inexiste proibição legal para uma incorporação "linha a linha" e tampouco restrição expressa no que tange aos limites dos juros sobre o capital próprio. Também por uma interpretação teleológica, a não aceitação das contas de lucros acumulados e reservas de lucros no limite de juros sobre o capital próprio após uma incorporação horizontal implica ir contra a função dos juros de mitigar os efeitos da falta de correção monetária, isto é, tributar pelo imposto de renda algo que é mera recomposição do poder de compra da moeda.
Diante do exposto, verifica-se que a 1ª turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais recentemente enfrentou tal questão e após empate, o crédito tributário foi exonerado nos termos do artigo 19-E da Lei n. 10.522/02. Para tanto, prevaleceu o entendimento de que inexiste na legislação brasileira proibição à operação de incorporação "linha a linha" e seus eventuais reflexos indiretos por meio de um aumento do limite no cálculo dos juros sobre o capital próprio.
Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.Fonte: Conjur