Considerações sobre a lógica do poder na política
Há quase três mil anos, Sun Tzu apontou em seu livro "A Arte da Guerra" (
"The Book of War") um dos segredos para o triunfo no campo de batalha:
"Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas". Na política não é tão simples, nela nem sempre é fácil identificar o inimigo, muitas vezes camuflado de aliado. O amigo na bonança pode ser o adversário na tormenta, quando não o agente provocador. A lógica da sobrevivência política compreende vários aspectos, mas é fundamental entender que ela, paradoxalmente, está longe de ser um processo lógico. A chegada e manutenção no poder pressupõem saber identificar os obstáculos que estão por vir e os inimigos que se ocultam na mesma trincheira. É um erro político primário menosprezar a ambição alheia ou estabelecer limites éticos ao adversário que busca o poder a qualquer custo. A política revela o melhor e o pior de cada ser humano. Por isso, muito interessante a obra de James D. Morrow, Randolph M. Siverson, Alastair Smith e Bruce Bueno de Mesquita denominada "A Lógica da Sobrevivência Política" (
"The Logic of Political Survival"), que buscou identificar os imperativos lógicos em um processo não tão lógico, como o da batalha pelo poder.
Os autores pesquisaram as razões pelas quais governantes conseguem permanecer muito tempo no poder, independentemente do sistema institucional do país. Afirmam que não basta o suporte das Forças Armadas ou prestígio popular, sendo necessário o apoio de uma elite dominante, política ou econômica, capaz de enxergar no líder o meio para a preservação de seus interesses. A sobrevivência política é, acima de tudo, a sobrevivência do poder de mando, quase sempre predatório e personalista. Como bem dizia John Dalberg-Acton:
"O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus".
Contemporaneamente, a classe política considera a estabilidade econômica como importante trunfo para a manutenção do poder. A percepção histórica revela que as grandes transformações sociais e guerras na história da humanidade tiveram como causa preponderante a economia.
O estopim da Revolução Francesa ocorreu com a crise agrária provocada, entre outras causas, por um vulcão que entrou em erupção na Islândia, destruindo as safras e propagando fome e desespero na população, sobretudo a do Terceiro Estado, formado por camponeses e burgueses, representando 98% do total. Toleraram as excentricidades e guerras de Luís XIV, o Rei Sol (
"L´État c´est moi"), as festas e desperdícios de Luís XV (
"Rien de tout"), mas, com o agravamento das condições econômicas, perderam a paciência quando a miséria lhes bateu à porta, depondo Luís XVI, para depois decapitá-lo (
"Aprés moi le déluge").
A Segunda Grande Guerra, maior catástrofe humanitária do século passado, começou nas pesadas dívidas de guerra impostas à Alemanha pelo Tratado de Versailles e o c
rack da Bolsa de Nova York em 1929. O desespero econômico da população germânica abriu as portas para sua manipulação política por um grupo de fanáticos desprovidos de limites éticos e liderados por um genocida.
Na campanha presidencial norte-americana de 1992, quando o então candidato do Partido Democrata, governador do pequeno estado do Arkansas, Bill Clinton, enfrentou o ex-presidente republicano George Bush, credenciado pelo sucesso militar na Guerra do Golfo, o estafe democrata se questionava quais seriam os pontos vulneráveis da gestão Bush capazes de provocar sua derrota e assegurar a vitória de Clinton.
Uns apontaram o belicismo da política internacional e a demonstração de força da América (
Mighty America), outros, a solução dos problemas sociais, até que o marqueteiro da campanha, James Carville, cunhou a frase:
"It is the economy, stupid" (
"É a economia, estúpido"). Nasce, então, a convergência de quase toda a classe política ocidental no sentido de que o bem-estar econômico, fundado no crédito e aumento do poder de compra, seria o alicerce para um governante se reeleger.
Em se tratando de mecanismos de perpetuação do poder, faz-se necessário compreender as razões pelas quais uma sociedade não só escolhe alguém para governar, como ainda o mantém no governo. A estabilidade econômica é um bom termômetro, mas não o único. Adeptos da escola neo-institucionalista, os autores dividem os mecanismos de sobrevivência política de acordo com a estrutura institucional do país, a saber: regimes autoritários e democráticos, concluindo pela maior longevidade nas ditaduras.
É fato que a situação financeira das pessoas tem grande influência, pois, se o poder de compra aumenta e as contas conseguem ser pagas, cria-se uma sensação de bem-estar propícia à preservação do poder. Em uma métrica cartesiana, existe uma "equação sociológica" que passa necessariamente pela economia, a qual se considera um dos mais importantes e decisivos "imperativos de ação para permanência no poder".
Mas outros pontos também merecem destaque, entre os quais a legitimação do poder. O governante pode ser escolhido por meio do voto, hereditariedade ou força. Em todas essas três formas, após chegar ao poder, terá de traçar estratégias para sua manutenção. É o que os autores chamaram de
"teoria dos selecionadores" (selectorate theory) e
"coalizão vencedora" (winning coalition).A
teoria dos selecionadores estuda a forma de seleção dos líderes em cada país. Escolhido ou imposto, não importa o meio, o líder terá de prover sua governabilidade e segurança no cargo, por meio de uma coalizão vencedora
(winning coalition).
A coalizão vencedora nos regimes democráticos terá de ser majoritária nas casas legislativas, a fim de evitar a obstrução da agenda de governo ou sua deposição por impeachment. Por essa razão, independentemente da identidade de ideias, o líder político precisa construir meios de contato com adversários de outros partidos, inclusive os derrotados no pleito, visando a buscar apoio e pontos de convergência. Sem a
winning coalition, corre o risco de não governar ou até ser deposto.
Em um Estado democrático, o líder tem seu poder limitado pela Constituição e a oposição possui mecanismos de participação por meio de vetos ou obstruções, ou ainda provocando o Poder Judiciário quando vislumbrada alguma inconstitucionalidade ou abuso de autoridade. Ao mesmo tempo, a coalizão vencedora ocupará espaços na Administração Pública, dividindo com o líder a responsabilidade de gerenciamento do Estado e o exercício do poder.
Nos regimes autoritários, a chegada e permanência no poder se processam de modo diverso. Ao invés de eleições diretas, o autocrata chega ao poder por meio de um golpe de Estado com apoio das Forças Armadas e, às vezes, de parcela da própria população. A ascensão ao poder também pode ocorrer mediante processo revolucionário, no qual um grupo ideológico toma para si o poder e se autoproclama fiel defensor dos interesses do povo. Existe ainda a possibilidade de líderes autoritários chegarem ao poder por meio de falsas eleições, tais como as que elegiam Saddam Hussein no Iraque em um pleito unipartidário e era reeleito com a totalidade dos votos. Por fim, citamos ainda os exemplos da extinta União Soviética e de Cuba, onde os líderes emergiram da vontade da cúpula do Partido Comunista.
Depois de chegar ao poder, o autocrata centralizará suas ações na sua manutenção, mantendo e expandindo os privilégios dos selecionadores que lá o colocaram. A coalizão vencedora responsável pela segurança e governabilidade do autocrata traduzirá os anseios de uma pequena aristocracia, ligada aos líderes do partido dominante, Forças Armadas ou conglomerado econômico que o selecionou. A governabilidade é pautada pela lealdade pessoal ao líder, uma vez que os integrantes da aristocracia gozam de benefícios privados por fazerem parte de sua base de sustentação e não desejam colocar em risco os privilégios alcançados.
Há de se ressaltar que os dados referentes à permanência de um líder no poder não podem ser interpretados isoladamente, uma vez que no regime democrático o sistema de governo instituído poderá falsear as conclusões obtidas. Enquanto no sistema presidencialista temos a limitação de permanência no poder a um ou dois mandatos eletivos (exemplos: Brasil e Estados Unidos), no parlamentarista não há fixação de tempo de exercício do poder pelo primeiro-ministro. Dessa forma, ignorado o contexto histórico e levados em conta apenas os anos de permanência no poder, uma democracia parlamentarista poderia, equivocadamente, ser tida como um regime autoritário.
Diante de todas as ponderações, a referida obra mostra-se de fundamental importância na compreensão dos mecanismos de perpetuação do poder, lastreados na estrutura histórico-institucional do Estado. Bastante atual e adaptado a qualquer regime político, o trabalho nos induz à reflexão e mostra que os métodos apresentam similaridade com os regimes da Antiguidade, como o da Roma Antiga, com uma diferença básica: normalmente, as 23 punhaladas no imperador Caio Júlio César na entrada do Senado romano, em regra, se apresentam em sentido figurado, na forma de sutis traições. Triunfar na política pressupõe conhecer as mazelas da alma humana e saber liderar com elas, até para conseguir fazer o bem.
Fonte: Conjur