Hipermercado reparará empregada por assédio sexual e moral no trabalho
Um hipermercado goiano foi condenado pelo Juízo da 3ª vara do Trabalho de Anápolis/GO a reparar uma ex-funcionária por danos sofridos durante o contrato de trabalho. A mulher foi vítima de assédio sexual cometido por um colega e também sofreu assédio moral pelos superiores. A decisão é do juiz do Trabalho Rui Carvalho, que fixou em R$ 65 mil o valor da indenização por danos morais que deverá ser pago pela empresa à ex-funcionária.
Na ação trabalhista, a empregada alegou ter passado por situações de assédio sexual e moral e, em razão das situações vivenciadas no hipermercado, adoeceu. Narrou que o assédio sexual foi praticado por um colega de trabalho. Contou que o assediador falava sobre a sua boca ao dizer que "era até pecado olhar para ela, pois desejava o que não podia fazer", além de citar sonhos eróticos com a colega na presença de outros funcionários.
A funcionária afirmou que, após as diversas ocasiões de assédio sexual, passou a ter problemas psicológicos como crises de ansiedade que se agravaram no decorrer do tempo. Disse que o departamento de recursos humanos, ao saber dos fatos, apurou e confirmou os assédios realizados pelo trabalhador, que foi posteriormente demitido pela empresa.
A empregada relatou ter sofrido também assédio moral pelos gerentes do hipermercado, que alteraram aleatoriamente seus horários de intervalo e trocas de turno, forçando-a a sair em horários diversos, estendendo a sua jornada. A funcionária narrou que passou a ter crises de pânico e foi afastada pelo INSS, momento em que passou a usar medicamentos controlados para reverter o abalo psicológico sofrido, sem previsão de alta.
Quanto aos problemas de saúde, a defesa do hipermercado negou o nexo causal. Refutou as alegações de assédio moral, negando as alterações nos intervalos da jornada de trabalho. Sobre a doença ocupacional, a defesa sustentou que a trabalhadora tinha propensão ao desenvolvimento de transtornos ansiosos/depressivos. Além disso, afirmou que a empregada já foi obesa e que essa condição poderia desenrolar com alterações comportamentais e poderia estar relacionada a transtornos psiquiátricos. E reforçou que a doença alegada não apresenta nexo causal ou concausal com o trabalho desempenhado no mercado.
O juiz Rui Carvalho entendeu que os fatos narrados na ação são de extrema gravidade. O magistrado explicou que os atos praticados pelo assediador vão além do assédio sexual, pois ele teria tocado as partes íntimas da trabalhadora, forçado beijos, entre outros atos. "Em tese, a conduta do empregado-assediador pode ser tipificada como importunação sexual".
Nesse ponto, o mjulgador considerou que o assédio sexual é fato incontroverso, pois o próprio hipermercado reconheceu a veracidade dos fatos e demitiu o empregado assediador por justa causa. Contudo, o juiz entendeu que, nas provas testemunhais, ficou caracterizada a indiferença da empresa com a situação da trabalhadora, que foi agravada pela conduta dos gerentes da loja.
Rui Carvalho destacou trechos do depoimento da trabalhadora em que declarou que um dos gerentes a chamava de "Severina", além de afirmar que seu cabelo a impedia de ouvir, e, por ser copeira, era obrigada a trabalhar no ambiente da padaria com o assediador.
"É muito grave e indica discriminação étnica o tratamento da autora como "Severina", pois é um nome bastante comum no Nordeste do Brasil e indica desprezo dos gerentes por pessoas de origem nordestina, mesmo não tendo a trabalhadora essa origem."
O magistrado considerou muito grave o fato de a trabalhadora ter sido obrigada a seguir trabalhando na padaria, com o acusado de assédio ou importunação sexual, por até três meses após o departamento de RH da empresa ter notícia dos fatos.
"Nada justifica a submissão da trabalhadora aos riscos e constrangimentos de trabalhar com a pessoa acusada de atos tão graves por tanto tempo enquanto realizava a apuração interna."
Para o juiz, a prova testemunhal confirmou de modo robusto o assédio sexual e moral sofrido pela autora. Rui Carvalho citou trecho de depoimento de testemunha sobre o conhecimento do RH da empresa acerca do comportamento inadequado do assediador, fato que teria sido evidenciado após o episódio ocorrido com a trabalhadora.
"Essa declaração evidencia a conduta leniente da empresa com o comportamento do funcionário assediador."
Seguindo a análise das provas testemunhais, o magistrado destacou que a empresa decidiu desligar o assediador devido ao número de denúncias que estavam chegando. Ademais, salientou que o funcionário do RH declarou ter informado aos gerentes da loja sobre os assédios, mas que eles teriam negado os fatos e sugerido que o problema da trabalhadora seria depressão. O juiz considerou que os gerentes, pelas atribuições funcionais, deveriam ter providenciado proteção e cautela para a trabalhadora, mesmo sendo necessário fazer apurações e evitar acusações infundadas.
"É inconcebível que a pessoa acusada de assédio sexual permaneça em contato com a vítima, no trabalho, por tanto tempo, sem que a empresa tenha adotado ao menos medidas gerais de proteção das trabalhadoras, medidas preventivas e protetivas cautelares, até o fim da apuração dos fatos."
Rui Carvalho considerou que havia uma banalização do assédio sexual e do assédio moral pelos gerentes do hipermercado, pois eles próprios faziam assédio moral para inibir reclamações.
O juiz ainda destacou trechos dos depoimentos que mereceriam atenção, como as piadas de cunho sexual feitas pelos gerentes sobre a trabalhadora, sendo que em uma das ocasiões um dos gerentes teria dito que "ia deixar a empregada trabalhando na loja, mas iria dar uma chapinha para ela alisar o cabelo enquanto ele faria sexo com ela".
Sobre a grave condição psicológica da trabalhadora em decorrência do ambiente laboral, o magistrado explicou que foi realizada uma perícia médica, confirmando os problemas de saúde mental que acometeram a empregada e concluiu que o trabalho na empresa atuou como concausa leve para o agravamento dos problemas de saúde.
"Contudo, a meu juízo, a perita se equivocou quando atribuiu aos problemas vividos pela trabalhadora no ambiente de trabalho, na empresa, a condição de concausa leve."
O magistrado salientou que a trabalhadora foi dada como plenamente apta no processo seletivo feito pela empresa. Em seguida, Carvalho pontuou a gravidade e continuidade temporal das situações de assédio moral e sexual vividos pela trabalhadora serem de tal modo graves e evidentes que é possível constatar que qualquer pessoa teria problemas mentais naquelas condições.
O julgador considerou terem sido atingidos a integridade física e psíquica da trabalhadora, bem como sua honra e dignidade pessoal e profissional. Com essas razões, o magistrado condenou a empresa a reparar a trabalhadora por danos morais.
Processo corre em segredo de Justiça.
Fonte: Migalhas