Nesta quinta-feira, 20, ministros do STF, por maioria, entenderam que porte de maconha para uso pessoal deve ser descriminalizado.
Durante a sessão desta tarde, ministro Dias Toffoli entendeu pela constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas, entretanto afastou seus efeitos penais. Na prática, isso significa que o uso da cannabis deixará de ser um ilícito penal (crime) e passará a configurar um ilícito administrativo.
Veja a íntegra do voto de Toffoli.
Agora, o Supremo tem seis ministros favoráveis à descriminalização. Seguiram o posicionamento do relator, ministro Gilmar Mendes, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e ministra Rosa Weber (atualmente aposentada).
Por outro lado, ministros André Mendonça, Nunes Marques e Cristiano Zanin votaram pela manutenção do uso como um ilícito penal.
Apesar das divergências quanto à natureza do ilícito, os nove ministros concordam na necessidade de estabelecer um critério objetivo para diferenciar o uso pessoal do tráfico de drogas. No entanto, a Corte ainda não definiu a quantidade específica que separa essas duas situações.
Esclarecimento
Nesta tarde, ministro Barroso fez um esclarecimento à sociedade de que o STF não está legalizando o uso de maconha. Barroso foi enfático ao afirmar que o porte de drogas, mesmo para consumo pessoal, continua a ser um ato ilícito.
"O Supremo não está legalizando drogas, mantendo o consumo como comportamento ilícito, que fique claro" afirmou o ministro. Destacou a importância de educar as famílias em uma cultura de não consumir drogas ilícitas, reconhecendo os perigos associados ao uso dessas substâncias.
"Todos nós temos famílias e filhos e todos os educamos em uma cultura de não consumir. Conscientizamos que drogas ilícitas são uma coisa ruim" reforçou.
A discussão central, segundo Barroso, não é a legalização, mas da natureza da punição: se o ato ilícito deve ser tratado como um crime ou como uma infração administrativa.
Explicou que, atualmente, o art. 28 da lei de drogas prevê penas como advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas para os usuários. Esclareceu que a descriminalização retiraria a pena de prestação de serviços à comunidade, reconhecendo que o usuário pode necessitar de tratamento, não de punição corporal.
Acrescentou que a única consequência prática seria a modificação das penas, evitando a criminalização excessiva dos usuários.
Barroso também ressaltou que o Supremo pretende criar um critério objetivo para definir a quantidade de drogas que caracteriza o consumo pessoal. Destacou a disparidade no tratamento de casos semelhantes em diferentes contextos sociais.
"Queremos evitar discriminação entre ricos e pobres, brancos e negros. Queremos ter uma regra que seja a mesma para todos" afirmou o ministro.
Remédio x veneno
Ministro Dias Toffoli, ao proferir voto, abordou a coexistência de drogas lícitas e ilícitas no mesmo sistema legal, enfatizando que a dosagem é o que distingue um remédio de um veneno.
"Historicamente, a humanidade tem utilizado drogas para fins medicinais, recreativos e culturais desde tempos remotos, sem que isso fosse necessariamente visto como um problema social," afirmou.
O ministro citou que a cannabis tem sido consumida há milhares de anos. Lembrou que o cânhamo, derivado da maconha, foi crucial para a confecção de tecidos de cordas e cabos navais, permitindo a expansão marítima do comércio ao proporcionar velas resistentes para embarcações.
Destacou o uso medicinal da planta, que era um analgésico eficaz antes da introdução da aspirina em 1899. "A cannabis foi receitada como medicamento para combater inflamações, dores e convulsões", afirmou. Também mencionou que a planta tem um efeito anestésico 30 vezes maior do que a aspirina.
Ademais, abordou o uso histórico do álcool, ópio, cocaína e alucinógenos, apontando que o álcool tem sido uma constante nas diversas culturas ao redor do mundo por aproximadamente 8 mil anos.
"O álcool foi historicamente valorizado como uma fonte segura de água quando não se tinha condições de obter água potável," observou Toffoli, reconhecendo que, apesar de seus efeitos nocivos, o álcool é legalmente vendido e consumido na maioria dos países.
Ressaltou que o consumo de álcool é um fator causal de mais de 200 doenças e lesões, incluindo distúrbios mentais e comportamentais, doenças graves como cirrose hepática, carcinomas e doenças cardiovasculares. "Apesar de seus efeitos nocivos, o álcool é frequentemente incentivado por meio de comerciais de televisão e pela pressão social em eventos" comentou.
Concluindo, o ministro enfatizou que, embora substâncias atualmente consideradas prejudiciais tenham desempenhado papéis importantes na história, isso não significa que seu consumo seja seguro ou recomendado.
Questão de saúde
S. Exa. enfatizou a importância de tratar a questão das drogas com uma abordagem centrada na saúde e na recuperação, em vez de mera criminalização.
Segundo o ministro, a opção do legislador em estabelecer medidas sancionatórias para coibir o porte indiscriminado de drogas é legítima. Ressaltou que essa escolha é uma prerrogativa do Congresso Nacional, que deve empreender as medidas legislativas necessárias para avançar na política de repressão ao tráfico de drogas e tratamento dos usuários.
Entretanto, para Toffoli, a política atual deve ser reavaliada para priorizar a redução de danos e a cooperação internacional. Argumentou que tratar o usuário como um delinquente não é a melhor política pública para um Estado democrático de Direito.
Defendeu que o foco deve ser na saúde e na recuperação, proporcionando aos usuários um tratamento digno e eficaz, em vez de simplesmente criminalizá-los.
"Estou convicto que tratar o usuário como um tóxico delinquente não é a melhor política pública de um Estado social democrático de direito," declarou Toffoli.
Ao final, o ministro votou por
"a) reconhecer a constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006;
b) reconhecer que a aplicação das medidas previstas nos incisos I a III desse dispositivo não acarreta efeitos penais;
c) Fazer apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que, no prazo de 18 meses, formulem e efetivem uma política pública de drogas, conforme previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, interinstitucional, multidisciplinar, baseada em evidências científicas, a qual deverá compreender, obrigatoriamente, a regulamentação das medidas previstas nos incisos I a III do art. 28, a fixação de critérios objetivos de diferenciação entre usuário e traficante de cannabis e a formulação de programas voltados ao tratamento e à atenção integral ao usuário e dependentes;
d) Determinar que a política pública referida no item "b" envolva todos os órgãos federais com atuação nas áreas de saúde (Ministério da Saúde e ANVISA), educação (Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação), trabalho e emprego (Ministério do Trabalho e Emprego e Conselho Nacional do Trabalho), segurança pública (Ministério da Justiça e Segurança Pública e Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos), dentre outros cuja temática necessariamente deva permear a política nacional de drogas como condição para a sua efetividade e eficácia;
e) Fazer apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que, com o fito de viabilizar a política pública referida nos itens anteriores, garantam dotações orçamentárias suficientes e a respectiva liberação de valores para cumprimento das medidas previstas no art. 28 e das demais iniciativas voltadas à implementação da política descriminalizante, mediante os devidos ajustes financeiros e orçamentários; e
f) Propor que o Poder Executivo inicie uma campanha permanente de esclarecimento público sobre os malefícios do uso de drogas, tal como foi realizada a bem-sucedida campanha antitabagismo. "
Assim, mantendo a constitucionalidade do dispositivo da lei de drogas, o ministro votou pela extinção de seus efeitos penais, afastando a criminalização do uso de maconha.
O caso
O Supremo analisa a constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas (lei 11.343/06), que estabeleceu a figura do usuário, diferenciando-o do traficante, sujeito a penalidades mais severas. A fim de distinguir usuários e traficantes, a legislação prevê penas alternativas para aqueles que adquirirem, transportarem ou portarem drogas para consumo próprio, como prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e participação obrigatória em curso educativo.
Embora a lei tenha abolido a pena de prisão para usuários, a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal foi mantida. Consequentemente, usuários continuam sujeitos a inquéritos policiais e processos judiciais que visam o cumprimento das penas alternativas.
No processo específico que originou o julgamento, a defesa de réu condenado por porte de drogas solicita que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi preso portando três gramas de maconha.
Em razão do adiantado da hora, julgamento foi suspenso e será retomado na próxima semana, com voto do ministro Luiz Fux.
Fonte: www.migalhas.com.br
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