Nessa hipótese, caso seja evidenciada a configuração de doença ocupacional ou a ocorrência do acidente típico de trabalho, quais seriam as consequências para os trabalhadores e as empresas brasileiras?
De plano, impende frisar que o teletrabalho, desde o advento da Lei nº 13.467/2017, encontra previsão expressa na legislação celetária, de modo que, nos termos do artigo 75-B da CLT, "considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo".
Lado outro, a CLT já possuía ao menos previsão para o home office, ou trabalho em domicílio, pois o artigo 6º preceitua desde 2011 que "não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego."
Dito isso, a celeuma se dá precisamente em saber se há efetiva responsabilidade civil do empregador, em caso de doença ocupacional ou acidente de trabalho, sendo vítimas os empregados que se encontrem nessa modalidade de labor à distância.
Se é verdade que, numa primeira análise, o trabalho remoto aparentemente possa trazer benefícios aos trabalhadores, é de igual relevância salientar que essas novas formas de trabalho à distância podem contribuir para a eclosão de riscos inéditos à saúde.
Com efeito, uma das grandes preocupações está justamente relacionada com as regras de ergonomia para esses novos trabalhadores digitais, ou seja, um ambiente em que as atividades laborais sejam desenvolvidas sem acarretar em prejuízos e danos ao colaborador. Aliás, outra inquietação se dá também no sentido da sobrecarga de trabalho que, via de consequência, poderá estimular o aparecimento de doenças.
É certo que o simples fato de o trabalho não ser desenvolvido no espaço físico no empregador, por si só, não o exime de suas responsabilidades, e tampouco do dever de proteção ao trabalhador.
Nesse prumo, o empregador possui a incumbência por força de lei de elucidar os trabalhadores sobre os cuidados necessários para obstar o surgimento de doenças, assim como salvaguardar os seus empregados de possíveis acidentes de trabalho.
Entrementes, é importante ressaltar que o acidente de trabalho ocorre de forma inesperada, provocando uma lesão ou perturbação funcional, originando a morte, perda ou redução da capacidade laborativa, nos termos do artigo 19 da Lei 8.213/91 [1].
De outro norte, com relação à doença profissional, em observância do artigo 20, incisos I e II, da referida lei previdenciária [2], está ocorre em virtude da atividade desenvolvida e que tenha relação direta com o trabalho, sendo, portanto, a regra geral.
Indubitavelmente, uma vez configurado o dano, o nexo causal e a culpa do empregador, o trabalhador poderá socorrer-se do Poder Judiciário em busca do direito à reparação dos danos sofridos (morais e materiais).
A este respeito, aliás, são os ensinamentos do professor Sebastião Geraldo de Oliveira [3]:
"(...) Numa sequência lógica, o exame da causalidade deve ser feito antes da verificação da culpa ou do risco da atividade, porquanto poderá haver acidente onde se constata o nexo causal, mas não a culpa do empregador; todavia; jamais haverá culpa patronal se não for constatado o liame causal do dano com o trabalho.
No acidente do trabalho típico, a presença causal fica bem evidente. A simples leitura da CAT permite a verificação do dia, hora, do local e dos detalhes da ocorrência. A descrição do evento facilita a percepção do vínculo de causalidade do infortúnio com exceção do contrato laboral.
Por outro lado, a identificação do nexo causal nas doenças ocupacionais exige maior cuidado e pesquisa, pois nem sempre é fácil comprovar se a enfermidade apareceu ou não por causa do trabalho. Em muitas ocasiões serão necessários exames complementares para diagnósticos diferenciais, com recursos tecnológicos mais apurados, para formar o convencimento quanto à origem ou as razões do adoecimento".
Nesse desiderato, as empresas devem ter a cautela para propiciar ao trabalhador um ambiente de trabalho saudável, com os equipamentos e meios adequados à realização dos serviços. Ainda, têm elas o dever de orientar os empregados para que estes adotem as providências necessárias a fim de garantir um ecossistema laboral adequado.
Frise-se, por oportuno, que ao teletrabalhador igualmente se aplicam os dispositivos contidos nos artigos 154 a 201 da CLT, que preceituam sobre segurança e medicina do trabalho.
Observa-se, portanto, que para o estabelecimento do nexo de causalidade entre as atividades laborais e o acidente de trabalho deve ser levado em consideração, entre outros fatores, o estudo do local de trabalho. Ademais, nesse sentido, disciplina o artigo 2º da Resolução CFM nº 2.183, de 2/6/2018 [4], do Conselho Federal de Medicina.
Inobstante a obrigação da empresa de zelar pela saúde e segurança, é válido lembrar que o trabalhador tem a obrigação de seguir corretamente as informações do empregador, devendo, inclusive, celebrar um termo de responsabilidade, nos termos do artigo 75-E da CLT [5].
Se, efetivamente, restar comprovado na particularidade do caso que o trabalhador efetivamente não seguiu as diretrizes e determinações do seu empregador, e caso sobrevenha a ocorrência do acidente laborativo, estaremos diante de uma quebra do nexo causal, e, portanto, não haverá de se falar responsabilidade civil da empresa.
Nesse diapasão, cite-se caso concreto julgado pela 15ª Turma do TRT da 2ª Região (SP), em voto de relatoria do desembargador Jonas Santana de Brito [6], em que o tribunal trabalhista fixou tese de que a opção da empresa pelo direcionamento do empregado para o trabalho sob a forma de home office não a exime da obrigação de zelar por um ambiente de trabalho "seguro e sadio". Porém, como destacado pelo relator, referida obrigação esbarra em alguns limites, uma vez que a empregadora não tem livre acesso à residência do empregado, ou, via de regra, ao local onde os serviços serão prestados, de modo que não possui plenas condições de avaliar as efetivas condições de desempenho do labor, todo o mobiliário e os equipamentos utilizados pelo trabalhador etc.
Para tanto, a denominada ratio decidendi trazida no acórdão pelo colegiado foi de que a obrigação da empresa se limita ao cumprimento da obrigação primordial de instruir os empregados quanto à necessidade de observância das normas de segurança e higiene do trabalho, a fim de precaver o surgimento de doenças e de acidentes, fornecer o mobiliário adequado, orientá-los quanto à postura adequada, pausas para descanso etc. E, por tal razão, não se pode exigir da reclamada uma fiscalização efetiva à residência da colaborador, a fim de perquirir acerca de suas condições reais de labor, tampouco um acompanhamento cotidiano das atividades executadas pelo trabalhador.
E, na particularidade do caso, ante o teor da prova produzidas na ação trabalhista, o TRT paulista afastou a responsabilidade civil da empresa pela ocorrência da doença ocupacional equiparada ao acidente de trabalho alegada pelo funcionário, julgando, ao final, por improcedente seu pedido.
Em arremate, o assunto objeto deste artigo, por certo, continuará a ensejar grandes debates, por existirem muitas dúvidas acerca da prevenção, fiscalização e registro das questões atinentes à segurança e medicina do trabalho. Afinal, como se distinguirá um acidente corriqueiro da vida cotidiana e o que seria um típico acidente do trabalho?
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