O ano em que o Poder Judiciário se distanciou da sociedade
A pandemia que se iniciou em 2020 é persistente. À beira de 2022 e notícias de avanço de uma nova variante do coronavírus tomam conta do noticiário. O Poder Judiciário brasileiro, por sua vez, teve de se adaptar, como todos, a essa realidade, que requer muita atenção com a saúde de todos, sem se descuidar da efetiva prestação jurisdicional.
Afinal, os conflitos não dizem a hora em que chegarão, e muitas das vezes vêm acompanhados por graves impactos que somente o Poder Judiciário pode solucionar. Dessa forma, este ano de 2021 pode ser tido como o ano em que se consolidou o uso de novas tecnologias para se entregar a prestação jurisdicional.
Ocorre que a prestação jurisdicional à distância, embora uma medida relativamente importante diante da pandemia, não pode se tornar uma regra, especialmente em demandas em que o contato entre partes, magistratura e advocacia são imprescindíveis para a entrega correta da jurisdição.
O detalhe entre o acolhimento de uma tese ou outra apresentada pelas partes muitas vezes está no tratamento dispensado durante um ato judicial. Por exemplo, a postura que indica dúvida pode pôr em xeque o depoimento de uma testemunha e toda a tese que lhe acompanha. Esse detalhe, muitas das vezes, só é perceptível com o contato direto entre partes, juízes e advogados.
Não por outra razão o Código de Processo Penal veda à testemunha que leve seu depoimento por escrito, justamente por ser necessário extrair a espontaneidade do depoimento frente a diversas perguntas realizadas seja pela defesa, pela acusação ou mesmo pelo magistrado.
O Poder Judiciário, com efeito, deve adotar medidas para ficar próximo do jurisdicionado que lhe procura, pois escolhemos um sistema que veda a justiça pelas próprias mãos. Claro que as partes, se assim convencionarem, podem chegar à autocomposição sem o auxílio do Judiciário.
Contudo, no Brasil — e principalmente quando se trata de ação penal — o monopólio do Poder Judiciário é figura central de uma sociedade minimamente civilizada. E, assim, não cabe o julgador se afastar daqueles que são os atores principais do conflito: as partes.
Independentemente de que lado está a razão no caso concreto, é certo que o acesso à jurisdição — e isso significa não só o direito de peticionar, mas o de se fazer ouvir (interrogatório) e defender (audiências, sustentações, entrega de memoriais) — seja levado à máxima potência, que é própria da conversa pessoal.
A preocupação é que é cômodo, em vários sentidos (inclusive o econômico), que o processo corra à distância, em grave prejuízo à qualidade das decisões judiciais proferidas. O ano de 2022, que já se avizinha com as preocupações dos últimos dois anos, deve ser aquele em que o Poder Judiciário se volta para as partes. Portanto, não cabe distanciar o Judiciário da sociedade.
Fonte: Conjur