Antes de adentrar no tema do teste de adequação do passivo, é importante salientar que o artigo 13, I, da Lei n° 9.249/95 [1], determina que as provisões são indedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com exceção das provisões constituídas para o pagamento de férias e 13º salário de empregados, bem como as provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição é exigida pela legislação especial a elas aplicável.
Como se observa, as provisões técnicas de seguradoras são dedutíveis para fins de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e CSLL.
O registro contábil de tais provisões pelas seguradoras é de fundamental importância, uma vez que elas atuam em um setor que está exposto a diversos riscos. Cumpre notar que o seu próprio modelo de negócio pressupõe o recebimento antecipado de prêmios de seguro, no entanto tais recursos não estão livres para serem utilizados pela entidade como ela bem quiser, uma vez que parte daqueles prêmios deverá ser utilizada para pagamentos dos sinistros ocorridos.
Assim, torna-se necessário que tais entidades reconheçam os passivos (de prazo e valor incertos) relacionados com tais situações sob risco de não demonstrarem a realidade econômica com fidedignidade, uma vez que elas possuem obrigações para com os beneficiários. A falta de registro de tais passivos (provisões) pode inclusive acarretar que sejam distribuídos lucros, que não teriam o mesmo tamanho se houvesse registro de tais provisões.
Mara Jane Malacrida, Gerlando Lima e Jorge Costa conceituam as provisões técnicas nos seguintes termos: "As provisões técnicas são passivos constituídos pelas empresas do mercado de seguro para garantia das operações e são requeridas pela Resolução Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) no 321/2015 e Circular Superintendência de Seguros Privados (Susep) n° 517/2015. Essas provisões são provenientes de prêmios ou de sinistros e formam os maiores passivos das empresas do mercado segurador" [2].
Até então esse cenário não gerava maiores dúvidas no que tange à dedutibilidade das provisões técnicas das seguradoras. Todavia, com a adoção do padrão International Financial Reporting Standards (IFRS) pelos órgãos contábeis brasileiros, foi emitido o Pronunciamento Contábil n° 11 "Contratos de Seguro" do Código de Processo Civil (CPC) (CPC 11), que se fundamento na Norma Contábil Internacional IFRS 4. Os itens 15 a 19 do CPC 11 previram a obrigatoriedade de realização do teste de adequação de passivo (TAP), conforme abaixo:
"15 — A seguradora deve avaliar, a cada data de balanço, se seu passivo por contrato de seguro está adequado, utilizando estimativas correntes de fluxos de caixa futuros de seus contratos de seguro. Se essa avaliação mostrar que o valor do passivo por contrato de seguro (menos as despesas de comercialização diferidas relacionadas e ativos intangíveis relacionados, como os discutidos nos itens 31 e 32) está inadequado à luz dos fluxos de caixa futuros estimados, toda a deficiência deve ser reconhecida no resultado".
Em outras palavras, a seguradora deverá avaliar anualmente se o montante do seu passivo relativo às obrigações estimadas de seguro está adequado ou não.
Ocorre que entre os anos de 2008 e 2014, vigorou o RTT, instituído pela Medida Provisória n° 449/08 (convertida na Lei n° 11.941/09), que tinha por objetivo neutralizar os reflexos dos métodos e critérios contábeis trazidos pela Lei n° 11.638/07, sendo aplicável para o cálculo de IRPJ, CSLL, Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
De acordo com o RTT, as bases de cálculo dos referidos tributos deverão ser determinadas de acordo com a legislação contábil vigente em 31/12/2007, evidenciando a intenção do governo federal na manutenção da metodologia de tributação já conhecida pelos contribuintes, além de possibilitar maior estudo acerca da nova legislação societária e os seus consequentes reflexos fiscais.
Diante de tal cenário, se o contribuinte realizou o teste de adequação do passivo durante o período de vigência do RTT e complementou a sua provisão técnica em contrapartida ao resultado do exercício, resta a dúvida se tal contrapartida possui natureza de provisão técnica que é dedutível para fins de IRPJ e CSLL ou se um ajuste decorrente de métodos e critérios contábeis trazidos pela Lei n° 11.638/07, devendo ser neutralizado pelo RTT [3].
Feitas as principais considerações sobre o tema, verificaremos como tal tema foi analisado no Carf.
A referida situação foi enfrentada no Acórdão 1201-003.108 (de 15/08/19), no qual se entendeu, por maioria de votos, que os ajustes realizados pelo contribuinte a título de teste de adequação do passivo teriam natureza de provisões técnicas, sendo, portanto, dedutíveis para fins de IRPJ e CSLL.
Embora no voto vencido, o conselheiro relator tenha destacado o seu entendimento no sentido de que o CPC 11 trouxe uma inovação contábil ao instituir o teste de adequação contábil, de modo que tal critério deveria ser neutralizado pelo RTT, os demais conselheiros entenderam que a natureza da complementação do passivo constituída possui a natureza de provisão técnica, sendo o teste de adequação do passivo um mero instrumento adicional de uma cautela que já deveria ter sido tomada pela entidade.
Diante do exposto, verifica-se que o precedente do Carf acerca do tema foi no sentido de que o teste de adequação do passivo previsto no CPC 11 somente reafirma a natureza da provisão técnica dedutível de uma seguradora.
* Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
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