Para advogados, proibir demissão de não vacinados é inconstitucional
A portaria que proíbe empregadores de exigirem o certificado de vacinação de seus funcionários, baixada pelo governo Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (1º), é inconstitucional, avaliam advogados trabalhistas consultados pela reportagem. Os especialistas ressaltam que a medida assinada pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, contraria diferentes decisões e orientações da Justiça do Trabalho que dão ênfase ao entendimento de que a saúde e a segurança da coletividade se sobrepõem à do indivíduo.
Na avaliação do advogado Luis Fernando Riskalla, especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, os fundamentos citados para a edição da portaria contradizem o estabelecido por artigo da Constituição que garante aos empregados segurança e saúde em suas atividades empregatícias. "Questiona-se: como poderão os empregadores, além das ações que já lhes competem, garantir a saúde e a integridade de seus empregados se não puderem, ao menos, ter o controle de quem está, de fato, imunizado?"
O advogado Donne Pisco, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados, aponta outra inconstitucionalidade da portaria, afirmando que ela infringe artigo da Constituição Federal segundo o qual "a competência do ministro de Estado se limita a instrumentalizar o cumprimento das leis de sua alçada, não podendo criar normas em usurpação da competência do Poder Legislativo".
"O ato normativo do Ministério do Trabalho e Emprego não tem o efeito de vincular a livre apreciação do tema pelos juízes: a restrição imposta, que busca impedir a demissão por justa causa de pessoas que se recusem a ser vacinadas, não tem fundamento legal – inclusive porque a resistência imotivada à imunização atenta contra o esforço coletivo para a contenção da pandemia, pondo em risco a saúde da população", explica.
A mesma avaliação é feita pelo advogado Matheus Gonçalves Amorim, sócio do SGMP Advogados. Segundo ele, a portaria do governo Bolsonaro vai de encontro a artigo da Constituição que garante aos trabalhadores a redução dos riscos ocupacionais por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e ainda porque trata de matéria que a Constituição reservou à Lei.
Amorim lembra que alguns órgãos públicos exigem o comprovante de vacinação para que qualquer pessoa possa ingressar nas suas instalações. Nessa linha, considerando-se que há empresas que prestam serviços no mesmo local, a própria execução dos contratos se tornaria impossível, diz o advogado.
Por outro lado, Amorim ressalta que as portarias publicadas pelo Ministério do Trabalho têm efeito vinculante, em tese, apenas para o Poder Executivo, não vinculando a atuação da Justiça do Trabalho, quem tem apresentado posicionamento bastante distinto.
O advogado também afirma que o Supremo Tribunal Federal já assentou que a vacinação obrigatória é constitucional, inclusive firmando tese sobre a possibilidade de imposição de medidas indiretas para sua efetivação, como, por exemplo, a restrição ao exercício de determinadas atividades – "o que vai na contramão do que restou definido na portaria", indica Amorim.
Na mesma linha, Carlos Eduardo Dantas Costa, especialista em direito do trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, lembra que a portaria vai na contramão não apenas das decisões judiciais, mas também das decisões do Ministério Público do Trabalho. Segundo entendimento firmado em fevereiro pela Procuradoria, trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina contra a Covid-19 sem apresentar razões médicas documentadas poderão ser demitidos por justa causa. A mera recusa individual e injustificada à imunização não poderá pôr em risco a saúde dos demais empregados, avalia o MPT.
Sob outra perspectiva, a advogada Mariana Machado Pedroso, especialista em direito do trabalho e sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados, avalia que a portaria pode "gerar uma movimentação que ainda não se tinha visto no Congresso Nacional a favor da regulação sobre a vacinação". "Pela hierarquia das normas no direito brasileiro, eventual lei estará hierarquicamente acima da portaria ministerial", diz.
A advogada afirma ainda que, certamente, a portaria será questionada na Justiça, no momento em que forem "avaliados os requisitos formais e limites possíveis de regulação de tal matéria por ato normativo do Executivo". "A Justiça poderá invalidá-la ou, ainda, estando regular, declarar tal norma válida", indica.
Fonte: JusBrasil