Quando a Justiça do Trabalho diz que responsabilidade social importa
Em 2/2/2018, tivemos oportunidade de escrever nesta coluna sobre a
natureza jurídica e social do contrato de trabalho, em que não basta ao empregador o pagamento de salário e que o empregado deve ser visto na sua universalidade. Naquele momento tínhamos uma decisão paradigmática do TRT-SP (Processo 10009605020175020037), da lavra da juíza Liane Martins Casarin, sobre cuidados de filho autista, mantendo decisão de primeira instância da juíza Sandra Miguel Abou Assali Bertelli (37ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo) que afirmara o seguinte:
"Portanto, amparo jurídico há, de forma suficiente, a permitir o acolhimento da pretensão deduzida pela trabalhadora (sic), assim como, ao revés do quanto afirmado na defesa, há comprovação cabal de que o transtorno autista de que é portador do filho da reclamante inspira cuidados especiais e acompanhamento permanente de sua mãe que desafiam a aplicação de todo o arcabouço constitucional, legislativo e fontes internacionais mencionadas a amparar o tratamento adequado à inserção da criança na família e na sociedade".
Agora, o sítio do Tribunal Superior do Trabalho faz menção à decisão da 8ª Turma, em acórdão do ministro Márcio Amaro, que, à unanimidade, manteve acórdão do TRT-6ª Região com a seguinte chamada:
"Nutricionista que tem filha com Síndrome de Down obtém redução da jornada de trabalho",
referindo-se ao caso envolvendo a Petrobras em que mãe de uma filha com síndrome de Down teria obtido no regional a redução da jornada em 25%, sem prejuízo do salário, com a finalidade de
"acompanhar a criança em atendimentos médicos e terapêuticos, necessários ao seu desenvolvimento" (AIRR-607-91.2017.5.06.0012).
Nos fundamentos para a proteção da empregada foram trazidos a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), a
Convenção sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.245/2015).
De novo o que se constata é a relevância da responsabilidade social das empresas
vis-à-vis a condição de vida de seus empregados, de modo a que seja permitido que o trabalho não se constitua em obstáculo às necessidades da vida social, em especial quando se trata de cuidados extraordinários em doenças tais como a que se apresentou.
O contrato de trabalho não se resolve exclusivamente pelas obrigações da prestação de serviços dado que não se trata de simples materialidade, mas envolve a pessoa humana com todas suas dificuldades existenciais presentes ou advindas ocasionalmente na vida pessoal.
Como dissemos em fevereiro de 2018,
"o contrato de emprego tem uma natureza que difere dos demais contratos que é a responsabilidade social da empresa em relação às condições de vida pessoal do trabalhador, incorporadas ao contrato quando de sua celebração. Portanto, as obrigações não são apenas aquelas que estão às vistas e expressas no contrato. Há também um dever secundário de acolhimento do trabalhador em sua universalidade, sem exclusão de eventuais dificuldades oriundas de sua vida pessoal e familiar e que são fundamentais para a integração na vida em sociedade".
Repita-se:
"Ser trabalhador e ser cidadão são condições que caminham juntas com o propósito de que se atinja o respeito à dignidade da pessoa humana".
Muito se fala em cumprimento de quotas de trabalhadores com deficiência nas empresas, todavia a lei não se refere à importância e à necessidade de que trabalhadores com encargos de filhos com deficiência tenham condições especiais de trabalho, nem trata de formas de incentivo às empresas para que atendam às necessidades específicas de seus trabalhadores.
Em 2018, disse a juíza Liane Martins Casarin que
"mesmo não havendo na legislação, previsão expressa que permita à reclamante reduzir sua jornada sem redução salarial, é preciso avançar no sentido da plena inclusão, é preciso romper velhos paradigmas de uma sociedade que ainda não viveu a inclusão. É uma mudança de comportamento que, hoje, perpassa por uma atuação firme do Poder Judiciário. Portanto, todo artigo, alínea ou inciso de lei que puder conferir expressamente direitos a crianças e adolescentes com deficiência será muito benvinda pela comunidade jurídica nacional".No limite, a Justiça do Trabalho vem impondo uma jurisprudência consolidada em documentos internacionais ou leis programáticas de forma a que o apego à responsabilidade social seja considerado necessário a fim de que seja humanizado o contrato de trabalho em toda sua dimensão obrigacional e social.
Fonte: ConJur