Reflexos da pena de multa no judiciário e no status civitatis do condenado

Em outra oportunidade, enfrentamos a questão da pena de multa como condição para a declaração judicial de extinção da punibilidade sob a ótica das pessoas hipossuficientes assistidas pela Defensoria Pública, sustentando que, naquelas hipóteses, deve-se presumir a impossibilidade econômica de adimplemento.

Neste artigo, a exigência do adimplemento da pena de multa por parte da pessoa hipossuficiente como requisito necessário à extinção da punibilidade é analisada sob topoi distintos. Questiona-se, agora, se a exigência é juridicamente razoável, partindo de ponto de vista impactos humanitário e também dos reflexos sofridos pelo sistema de Justiça.

Do ponto de vista humanitário, deve-se analisar as consequências da não declaração de extinção da punibilidade em razão do inadimplemento da multa. Primeiro, o aspecto mais óbvio: não cumprida a pena, não se inicia o prazo depurador da reincidência. Tampouco corre o prazo para a reabilitação criminal.

Vale dizer, o agente, ainda que cumprida integralmente a pena privativa de liberdade, não irá retornar ao status de primariedade, carregando consigo, com aspectos de definitividade, a pecha da condenação criminal.

E não é só: enquanto em cumprimento de pena, o agente tem suspensos seus direitos políticos, de modo que o fato de não adimplir a pena de multa acaba por manter — após cumprida a privação da liberdade — o impedimento de participar da vida política e formação da vontade do Estado — o que Jellinek compreende como sendo a característica essencial da dimensão ativa dos direitos fundamentais.

Deve-se ponderar, ainda, que a pena de multa tem aplicação em diversas infrações penais, independentemente da sua gravidade. Desse modo, em uma situação de crime leve ou contravenção penal, pode-se vislumbrar cenários em que os efeitos do não adimplemento da multa podem ser, no mínimo, tão gravosos quanto a pena privativa de liberdade (imagine um caso de pena privativa de liberdade em regime aberto ou pena substituída por restritiva de direitos, por exemplo).

E isso quebra com toda a logicidade do sistema penal.

Sem fazer o necessário aprofundamento, sob pena de se distanciar do objetivo do presente texto, fato é que, juridicamente, a exigência do cumprimento da pena de multa no caso de pessoa hipossuficiente não se justifica, sendo uma nefasta consequência de uma ideologia neoliberal no direito penal. Mas isso é tema para outra oportunidade.

Fato é que negar a extinção da pena à pessoa pobre e miserável em razão da impossibilidade de pagamento da multa viola o objetivo da execução penal previsto na LEP, na medida em que a manutenção da pena de multa, nesses casos, irá inviabilizar a integração política e social da pessoa condenada, que sofrerá restrições para o exercício da cidadania e terá, para si, fechada as portas do mercado de trabalho.

Assim, obstar a extinção da pena ao pobre que não pode e nem conseguirá pagar a pena de multa, vedando o acesso à cidadania e ao mercado de trabalho em nada atende aos fins da pena e configura um incentivo à delinquência

Superada a análise da inadequação jurídica da pena de multa quando contraposta a valores humanistas, é preciso abordar a matéria sob a perspectiva dos efeitos práticos da cobrança da pena de multa (que não será adimplida) no sistema de Justiça.

Nesse ponto, há de ser pontuado todo o reflexo no âmbito do sistema de justiça caso seja negada a extinção da punibilidade nesses casos, com a manutenção do processo tramitando em todas as instâncias do Poder Judiciário.

A manutenção desses processos tem como consequência a continuidade de dispêndio público com processos que deveriam ser arquivados. Além disso, a interposição de recursos buscando a extinção da punibilidade, direito fundamental da pessoa sentenciada e pobre que não tem e não irá pagar a pena de multa, impactará no trabalho dos servidores do cartório e na assessoria das Varas de Execução Penal, na Defensoria Pública e no Ministério Público.

Ocupará com um tema cuja resolução é simples o tempo de vários servidores, juízes, promotores de justiça, defensores públicos, desembargadores, procuradores de justiça, o que poderá trazer prejuízo na atuação em casos graves e complexos.

O dispêndio público — exigindo o pagamento de multa de pessoa que já cumpriu toda a pena privativa de liberdade — ao argumento de concretizar as funções da pena é, em última análise, um oxímoro.

Isso porque, se de um lado, se compromete totalmente o plano de reinserção social da pessoa condenada; de outro traz como consequência a perpetuação ad aeternum de processos judiciais, tornando a prestação da tutela jurisdicionais menos célere e, por isso, menos efetiva.

Desse modo, não se mostra razoável, seja sob o ponto de vista humanitário ou a partir da análise da atuação dos órgãos e instituições que compõem o sistema de justiça, que se condicione a extinção da punibilidade ao pagamento da pena de multa em se tratando de condenado hipossuficiente.

Fonte: Conjur

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