Renúncias fiscais, subvenções e o Reintegra são despesas públicas?
Nesta coluna que escrevo quinzenalmente sobre direito tributário, e que tenho a alegria de dividir com Raul Haidar, inicio perguntando: as repetições de indébito tributário se caracterizam como
despesas públicas?
Resposta: sim e não.
Sim, porque se trata de uma saída de recursos do Tesouro; logo, a repetição de indébito é uma espécie de despesa pública.
Não, porque essa despesa decorre de uma entrada
indevida no Tesouro, decorrente do pagamento de tributos em montante superior ao devido, seja por erro do declarante ou por ser inconstitucional aquela tributação.
A resposta "
sim" demonstra uma análise
estática do fenômeno financeiro, vinculada à tributação: é uma despesa, pois sairá dinheiro do caixa.
A resposta "
não" revela uma visão
dinâmica do processo financeiro, pois sairá o montante correspondente ao que indevidamente entrou no caixa, logo, houve uma
origem relacionada àquela saída. Não se trata de uma
despesa qualquer, mas, destaco, uma despesa decorrente daquela indevida cobrança, além dos limites constitucionais estabelecidos.
Qual a importância
prática dessa distinção? Ou se trata apenas de uma das incontáveis classificações acadêmicas sem nenhum impacto na realidade?
Entendo que tal distinção tem relevantíssima importância prática.
Uma coisa é a devolução de tributos federais, via compensação, repetição, ressarcimento ou reembolso, operacionalizada pelo sistema PERDCOMP, regulamentada pela Instrução Normativa RFB 2.055/21, que cria uma espécie de
conta corrente entre o Fisco federal e o contribuinte.
Outra coisa é uma despesa
pura e simples, tal como o pagamento dos salários do funcionalismo, que é custeado pelo conjunto da arrecadação, tributária e não tributária. Aqui
não existe uma
direta correlação entre o que pagam os contribuintes e a despesa realizada. As
subvenções encontram-se neste âmbito, na forma do art. 12 da Lei 4.320/64 — são
despesas pura e simples.
Entendida a diferença acima indicada, deve-se introduzir uma
terceira situação, que não é idêntica, mas é correlata, que são as
renúncias fiscais, que podem ser operacionalizadas através de isenções, imunidades etc., através das quais o dinheiro
sequer ingressa no Tesouro Público. Logo, a rigor, não há uma despesa pública
direta, mas aquilo que os economistas denominam de
gasto tributário, aportuguesando o conceito norte-americano de "
tax expenditure". Trata-se de uma
ficção jurídica que considera existir uma espécie de
despesa pública, pois a
receita que deveria ter ingressado nos cofres públicos foi legalmente dispensada.
O tratamento
tributário das
subvenções recebidas pelas empresas privadas é disciplinada pelo Regulamento do Imposto de Renda (RIR) nos arts. 441 e 523, dentre outros. Aqui, para efeito do Imposto de Renda das empresas, considera-se tanto o que foi por elas
recebido (
subvenção, como despesa pura e simples), como as
renúncias fiscais concedidas (isenções, imunidades etc).
Logo, é preciso distinguir que esses valores, efetivamente pagos ou
renunciados, correspondem (a) a uma
despesa real ou
fictícia para o Tesouro, e (b) a uma
receita para as empresas que as recebem, que pode ou não ser tributada (vide, por exemplo, as determinações do art. 10 da Lei Complementar 160/17, acerca do tratamento tributário federal referente aos incentivos fiscais estaduais).
Com isso pode-se afirmar que: (1) uma coisa são as
renúncias fiscais, comumente designadas como
benefícios ou
incentivos fiscais, que correspondem a um tipo específico de despesa, pois não ingressam no Tesouro e por ficção jurídica são denominadas de
gasto tributário, (2) outra coisa são as
subvenções, que correspondem a despesas que
efetivamente saem dos cofres públicos, e (3) uma terceira coisa são as
repetições e
compensações tributárias, que são despesas, mas
correlacionadas a receitas indevidamente recebidas.
E o Reintegra?
Conforme já expus nesta
ConJur, o Reintegra é o
direito das empresas exportadoras à recuperação dos resíduos de crédito tributário na cadeia produtiva, decorrente da imunidade das exportações. Trata-se de uma espécie de
repetição de indébito, pois é uma despesa decorrente de tributos indevidamente arrecadados.
Sendo assim, o Reintegra (1)
não é
renúncia fiscal, embora dela seja decorrente, pois é fruto da
imunidade das exportações; (2)
não é uma
subvenção, pois estas são despesas
pura e simples do Tesouro, sem correlação com alguma receita específica. Considerando a
dinâmica financeira, o Reintegra é uma
repetição de indébito, a ser devolvido mediante
compensação tributária, via PERDCOMP, pois tem origem em uma cobrança indevida de tributos na exportação.
Seria possível perguntar: trata-se da devolução de qual específico tributo, uma vez que a exportação é imune? Eis o ponto: é a devolução de
resíduos tributários remanescentes da cadeia de produção. Não há um
específico tributo a ser ressarcido, mas
resíduos tributários decorrentes da cadeia exportadora.
Pode-se afirmar, portanto, que o Reintegra
não é uma
subvenção,
nem uma
renúncia fiscal, mas uma
repetição de indébito de
difusos resíduos tributários remanescentes na cadeia produtiva. Inegavelmente ocorreu o pagamento dos tributos, e o Reintegra determina sua devolução, motivo pelo qual se assemelha a uma repetição de indébito/compensação tributária.
A ausência dessa necessária análise
dinâmica do fenômeno financeiro é que vem gerando algumas dificuldades interpretativas.
Fonte: Conjur