Ressarcimento do dinheiro público e a Justiça Eleitoral
O Brasil adotou o financiamento misto do exercício da atividade político-partidária, assim compreendido como a alocação de recursos de origem privada e pública para os partidos políticos e candidatos. Os recursos públicos decorrem de 2 fundos: Fundo Partidário e no Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
O primeiro, chamado Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, ou Fundo Partidário, foi criado em 1965 pela Lei nº 4740 e encontra hoje sua disciplina no artigo 38 e seguintes da Lei 9096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), destinado precipuamente ao financiamento das atividades dos partidos. Segundo dados do próprio TSE, no ano fiscal de 2019, os partidos políticos receberam no total mais de R$ 800 milhões de recursos do Fundo Partidário, ao passo que, ano seguinte, em 2020, o valor foi mais de R$ 923 milhões e, em 2021, mais de R$ 939 milhões.
De outro giro, em 17/09/2015 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650 e reconheceu como inconstitucionais os dispositivos que autorizavam partidos políticos e candidatos a receberem recursos de pessoas jurídicas.
Após essa decisão, para financiar as campanhas eleitorais, em 2017 criou-se o chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC ou Fundo Eleitoral) pela Lei 13487/2017, que alterou e inseriu os artigos 16-C e 16-D da Lei 9.504/97, o que majorou indisfarçadamente a injeção de recursos públicos processo político eleitoral. Para a eleição geral de 2018 foram destinados cerca de R$ 1,7 bilhão, ao passo que para as eleições locais em 2020 o valor do FEFC foi de pouco mais de R$ 2 bilhões. Para as eleições de 2022 está previsto o expressivo montante de mais de R$ 4,9 bilhões, quase o triplo do último pleito nacional.
A par do elevado volume de recursos públicos entregue às agremiações e candidatos, os instrumentos utilizados pela Justiça Eleitoral para a fiscalização da boa aplicação são as chamadas Prestações de Contas dos Partidos Políticos e Prestações de Contas das Campanhas Eleitorais, disciplinadas pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos, Lei das Eleições e Resoluções TSE nº 23.604/2019 e 23.607/2019, respectivamente.
Nesses processos, por meio de um rigoroso sistema de controle contábil e financeiro, a Justiça Eleitoral analisa se houve aplicação irregular dos recursos públicos, bem como o recebimento de valores de fontes vedadas ou de origem não identificada. Constatada a ilicitude, os partidos e candidatos são condenados a recolher o respectivo valor à União Federal. Compete ao Juiz da Zona Eleitoral (1ª instância) o processamento e julgamento da prestação de contas dos diretórios partidários municipais, bem como dos candidatos aos cargos de vereador, prefeito e vice-prefeito. Por seu turno, compete originariamente ao Tribunal Regional Eleitoral o processamento e julgamento das contas prestadas pelos diretórios estaduais, bem como dos candidatos aos cargos de deputado estadual, deputado federal, governador, vice-governador e senador da República. Por fim, compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar as contas dos diretórios partidários nacionais, além das contas de campanha dos candidatos a presidente e vice-presidente da república.
Depois de transitado em julgado e não recolhida voluntariamente o valor da condenação em erário federal, cópia da decisão é encaminhada à Advocacia-Geral da União para o cumprimento forçado da condenação nos próprios autos por meio do procedimento disciplinado pelo artigo 523 e seguintes do Código de Processo Civil. Para tanto, os Advogados da União orientam suas atuações pela Lei 9.469/97 e pelo capítulo VII da Portaria nº 01/2021 da Procuradoria-Geral da União. Tal como na Justiça Comum, no âmbito da especializada são autorizados todos os meios coercitivos para reaver o dinheiro ao erário, tais como penhora de ativos financeiros e bens imóveis, ressalvadas as impenhorabilidades legais.
Digno de nota, diferentemente da condenação de recolhimento ou restituição ao erário, a cobrança judicial de multas por infração à legislação eleitoral, nos termos do artigo 367 do Código Eleitoral e Resolução TSE 21975/2004, é atribuição da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PFN) após a inscrição em Dívida Ativa e por ajuizamento de um procedimento autônomo de execução fiscal sempre em primeira instância, na forma da Lei 6.830/80.
Nesse rumo, segundo a súmula 68 do TSE, a União é parte legítima para requerer a execução de astreintes, fixada por descumprimento de ordem judicial no âmbito da Justiça Eleitoral. A maioria dos casos de descumprimento de ordem judicial, inclusive com fixação de multa diária, ocorre nas representações eleitorais por propaganda irregular que, além da astreinte, podem resultar em multa por infração à legislação eleitoral, cuja atribuição na cobrança já pertence ao Procurador da Fazenda Nacional.
Além disso, a PFN inscreve em Dívida Ativa as astreintes que possuem previsão expressa dessa medida no Código de Processo Civil, como a multa por atentado à dignidade da Justiça (art. 77, §2º, CPC) e multa por má-fé no requerimento de gratuidade da Justiça (art. 100, parágrafo único, CPC).
Nos demais casos, compete aos Advogados da União promover o cumprimento forçado de astreintes fixadas pela Justiça Eleitoral pelo rito do citado artigo 523 e seguintes do CPC, em especial a multa por descumprimento dos limites de gastos fixados para a campanha (artigo 18-B da Lei 9504/97) e multa por desaprovação de contas partidárias com devolução da importância apontada como irregular (artigo 37 da Lei 9096/95), arbitradas em processos de prestação de contas eleitorais, bem como nas hipóteses de multas por litigância de má-fé fixadas em favor da União ou pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça, que devem ser promovida nos próprios autos do processo (artigo 777, CPC).
Em números, de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo TSE datam de 2020, no qual consta que foram devolvidos ao erário pelos partidos políticos e candidatos neste ano mais de R$ 88 milhões.
Fonte: Conjur