Pobre Direito. Li artigo de importante professor no qual anuncia a morte do direito. E o motivo — e isso foi muito reverberado em comentários e replicações em redes (viralizou, como dizem os jovens) — que a culpa seria do Ensino à Distância — o EAD. Depois de 194 anos, o professor coloca a placa R.I.P. no Direito brasileiro.
Vejam. Sem ironias, estou cumprimentando o professor pela crítica. Nem sempre a dogmática jurídica faz esse tipo de crítica contundente. Isso é importante. A crítica reflexiva faz parte do que deve ser a dogmática séria e, no limite, a própria doutrina. É isso que quero dizer quando alerto que a doutrina deve doutrinar. Basta ver como a comunidade jurídica se comportou nas outras mortes do Direito — por exemplo, o lavajatismo e a "normalidade" das relações entre acusação e juiz, concursos públicos quiz shows, ensino decoreba e quejandices mil. Jabuti não dá em árvore. Se é normal dizer que é normal um juiz grampeando escritório de advocacia, é porque fracassamos em algum lugar.
Sou antigo nisso. Desde antes da Constituição, portanto, há mais de 33 anos, que faço críticas ao ensino jurídico prêt-à-porter, prêt-à-penser e prêt-à-parler. Fui aluno de Warat. Que não angariava simpatias por parte da dogmática jurídica. Não cheguei aqui ontem.
O Direito, levando em conta o anúncio da morte causado pelo contundente instrumento denominado EAD (laudo pericial de fls.), é um fenômeno tipo Jason — sexta feira 13. Morre e não morre. Morre, mas continua voltando.
Aos que consideram que o instrumento pérfuro-contundente EAD matou o Direito, pergunto: o Direito continua vivo depois de, nessas décadas, ter sido abduzido pelas decisões judiciais, em um autêntico realismo (que denomino de) retrô? O direito morreu agora, golpeado pelo EAD — ou já havia morrido trinta vezes antes, com má metafísica, teoria política do poder, justificações ad hoc e a posteriori de decisões tribunalícias, dogmática mal feita?
Estaria vivo um Direito cujo sentido é o que o judiciário diz que é? Estaria vivo um Direito que, instrumentalizado nas faculdades por meio de literatura facilitada e resumida, forma milhares de reacionários (estou sendo eufemístico) todos os anos, cuja maioria, por exemplo, à época dos julgamentos das ADCs sobre presunção da inocência, era contra essa garantia — como se não houvesse uma objetividade jurídica mínima a partir da qual a linguagem do Direito pode fazer sentido com seus critérios próprios? Como chegamos nisso?
Estaria vivo um direito que hoje é esgrimido como suporte para legitimar discursos de ódio — tipo Bob Jeff — contra a democracia, como aqui mesmo nos comentários da ConJur? Está vivo o direito que é reivindicado para atacar os fundamentos do próprio Direito? Está vivo um direito que de nada vale diante de próteses pra fantasmas, trampas epistêmicas como o "livre convencimento"? Está vivo o direito no qual se ensina que positivismo significa aplicar a "letra fria da lei"?
Pobre Direito moribundo.
Com tudo isso e com o crescimento do número de defensores de tecnologizações das mais variadas formas e fórmulas, legal design etc., por qual razão o EAD teria matado o direito? O EAD não seria, exatamente, o produto dessa "coisa toda"? Causa ou consequência? Sintoma ou doença?
Qual é a diferença de um aluno estudar em casa por meio de EAD e estar em uma sala de aula com o professor lendo coisas do power point como se ele, aluno, fosse um imbecil? Qual é a diferença entre o EAD no conforto da casa e uma aula ministrada por alguém que usa resuminhos e resumões? Resumos cá e lá — o lugar pouco importa. O problema é o EAD?
Melhor uma aula a distância que ensina Hart e Kelsen e Raz do que uma aula presencial facilitada-resumida-mastigada cujo conceito de positivismo parou no exegetismo do século XIX (e olhe lá). Veja-se: durante a pandemia minhas aulas são on line. E, pela facilidade de colocar convidados, até se tornaram mais interessantes e mais abrangentes. Portanto, não é no EAD ou modelos outros que está o busílis. Não é disso que o Direito morre.
Não é uma contradição que, entre os motivos da "morte do Direito", não estaria também a transformação do Direito em uma mera ferramenta (quiçá picaretagem)?
O Direito pode servir para quase qualquer coisa mesmo. É por isso que já morreu. E é por isso que sempre volta. Para então morrer de novo.
De há muito
Todos os direitos reservados
MPM Sites e Sistemas - CNPJ: 12.403.968/0001-48