STF analisa liberdade de expressão de ONG contra Festa do Peão

Nesta quarta-feira, 18, o STF, em sessão plenária, iniciou o julgamento do tema 837, que trata dos limites da liberdade de expressão em relação a outros direitos de igual relevância, como a honra e a imagem.

A discussão surge a partir de um caso envolvendo a ONG PEA - Projeto Esperança Animal, que publicou, em suas plataformas online, denúncias contra organizadores e patrocinadores da Festa do Peão de Barretos/SP, acusando a associação "Os Independentes" de praticar maus-tratos a animais.

A sessão foi destinada à oitiva de sustentação oral e de manifestações dos amici curiae. Após as falas, a análise foi suspensa e o caso será pautado oportunamente.

Manifestação da defesa

Em sustentação oral, defendendo a PEA, o advogado Rodrigo Meni Reis Calovi Fagundes, do escritório Mallet Advogados, abordou a questão dos limites da liberdade de expressão no sistema constitucional brasileiro.

Ele destacou que, embora a CF assegure a liberdade de expressão, nenhum direito é absoluto. Portanto, é responsabilidade dos operadores do direito encontrar, nas fontes jurídicas, elementos que permitam um juízo de ponderação e proporcionalidade adequados ao caso.

O causídico fez referência a dispositivos constitucionais, como o art. 5º, IV, que garante a liberdade de manifestação do pensamento, e o art. 220, que assegura que a manifestação do pensamento não sofrerá restrições. No entanto, ressaltou que há precedentes, como o caso Ellwanger, que impõem restrições à liberdade de expressão, principalmente quando essa liberdade entra em conflito com outros direitos.

O advogado argumentou que a liberdade de expressão tem um papel preferencial na ordem democrática, sendo um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Ele defendeu que essa liberdade só pode ser restringida em situações extremas, uma vez que o debate e a controvérsia são essenciais para a evolução da sociedade. No caso em questão, ele afirmou que os riscos envolvidos são de ordem patrimonial, e a ação movida teria o intuito de impor censura, o que seria uma violação aos princípios constitucionais que regem a liberdade de expressão.

Amici curiae

Em manifestação no plenário, a advogada Monica Filgueiras da Silva Galvão, do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados, representante da Abraji- Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, destacou a importância e as implicações de uma eventual decisão do STF para a prática do jornalismo profissional.

Ela lembrou que decisões de censura são frequentemente contestadas no Supremo, citando como exemplos os casos RCL 49.463, RCL 61.526 e RCL 31.315, nos quais o STF reverteu decisões que impunham censura.

A advogada reforçou que decisões como essas têm impacto direto sobre a liberdade de imprensa e o exercício do jornalismo no Brasil.

O advogado André Rodrigues Cyrino, do escritório Gustavo Binenbojm & Advogados Associados, representando a Abert - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, defendeu a necessidade de controle a posteriori sobre conteúdos jornalísticos, com preferência por medidas que não envolvam a retirada do material, considerada uma ação extrema.

Ele destacou alternativas como o direito de retificação, direito de resposta e indenizações, ressaltando que até essas medidas devem ter limites claros para evitar censura disfarçada e o consequente medo que pode inibir o debate público.

Cyrino enfatizou que qualquer imposição de direito de resposta ou retificação deve ser proporcional e razoável, rejeitando a aplicação de danos morais punitivos, incompatíveis com a liberdade de expressão. No entanto, ele admitiu que, em casos excepcionais de discursos de ódio, a retirada do conteúdo pode ser justificada, desde que seja a única maneira de proteger o direito em questão.

A advogada Raquel da Cruz Lima, representando a ONG Artigo 19 Brasil, destacou em sua manifestação a relevância da liberdade de expressão à luz de órgãos internacionais e os critérios legítimos para sua restrição.

Alertou que, segundo tratados internacionais, esse direito não é absoluto, e suas limitações devem ser excepcionais, como em casos de incitação direta ao genocídio.

Ela mencionou o teste tripartite, amplamente utilizado na jurisprudência internacional, que exige que as restrições atendam a três critérios: previsão em lei, objetivo legítimo conforme tratados de direitos humanos e necessidade em uma sociedade democrática, com ênfase na adequação e proporcionalidade.

Também ressaltou que a honra, protegida por tratados, refere-se à personalidade humana e não a símbolos ou imagens, e que a liberdade de expressão é a base da democracia, essencial para o debate público.

O advogado Humberto Santana Ribeiro Filho, em nome da Sleeping Giants Brasil, ressaltou a dimensão coletiva da liberdade de expressão, que garante aos indivíduos o direito de receber informações, conforme o inciso XIV do art. 5º da CF e o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Ele citou o emblemático caso de Veit Harlan, diretor alemão responsável por filme utilizado como propaganda nazista.

O caso resultou em ações judiciais contra Harlan por incitação ao ódio, julgado com base no art. 826 do CC alemão, que trata da responsabilidade civil por danos causados intencionalmente. Esse dispositivo, afirmou o advogado, guarda semelhança com o art. 186 do CC brasileiro, que também prevê responsabilidade por atos ilícitos.

Em sua declaração no plenário, a advogada Charlene Miwa Nagae, representando a Associação Torna Voz, questionou a proteção da CF à honra quando confrontada com o direito à opinião.

Segundo ela, a reputação é um direito que se constrói a partir da percepção social do comportamento e, portanto, pode ser positiva ou negativa. Argumentou que não existe um direito absoluto a uma boa reputação e que não se pode proteger alguém de opiniões negativas.

Para a advogada, opiniões que prejudiquem a reputação, por si só, não podem ser consideradas ilícitas, pois isso implicaria uma proteção exagerada contra qualquer opinião negativa.

O advogado Égon Rafael dos Santos Oliveira, representando o CFOAB - Conselho Federal da OAB, ressaltou que a liberdade de expressão não apenas sustenta os direitos individuais, mas é também um pilar fundamental da estrutura democrática.

Ele alertou que, embora seja possível impor limites à liberdade de expressão em prol de outros direitos fundamentais, restringir ideias dissonantes pode ser um grave problema para a democracia.

Destacou que a decisão a ser tomada afetará profundamente a maneira como a democracia é vivida pela sociedade civil, defendendo que, ao confrontar a liberdade de expressão com outros direitos, ela deve ter prevalência, pois sem ela, outros direitos fundamentais podem ser comprometidos. Além disso, reforçou que quaisquer restrições à liberdade de expressão devem ser claras, objetivas e precisas.

O caso

Em 2007, a PEA publicou em seu site uma campanha afirmando que o uso de animais em rodeios, incluindo na Festa do Peão de Barretos, configurava maus-tratos, mencionando o uso do "sedém" e outras práticas que causariam sofrimento aos animais.

A publicação também listava patrocinadores e incentivava o público a pressioná-los para deixar de apoiar o evento. "Os Independentes" ingressaram com uma ação alegando que essas acusações eram falsas e prejudicavam a imagem e a viabilidade econômica do rodeio.

O pedido de tutela antecipada foi deferido pelo Juízo de 1º grau, proibindo a PEA de continuar publicando as acusações de maus-tratos relacionadas à Festa do Peão de Barretos. 

O TJ/SP, em grau de recurso, reformou parcialmente a decisão, mas manteve a proibição das publicações que relacionavam o evento a crueldades contra animais, determinando ainda que a PEA incluísse em seu site nota esclarecendo a pendência judicial e excluísse a Festa do Peão de Barretos da lista de eventos denunciados por maus-tratos.

A decisão reconheceu a importância da liberdade de expressão, mas concluiu que a PEA, ao publicar informações sem provas concretas sobre maus-tratos na Festa do Peão de Barretos, agiu de forma abusiva e ilícita, excedendo os limites de seu direito. 

O tribunal argumentou que, ao vincular a imagem dos patrocinadores a práticas cruéis contra animais, sem evidências suficientes, a PEA comprometeu a viabilidade econômica do evento, o que justificava a intervenção judicial.

A entidade também foi condenada a pagar indenização por danos morais. 

Fonte: www.migalhas.com.br


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