STF analisa se lei de improbidade retroage e favorece condenados
Nesta quarta-feira, 3, o STF começou a julgar se a nova lei de improbidade administrativa (lei 14.230/21), sancionada no ano passado, retroage e alcança ações julgadas ou em andamento. A Corte deve analisar, também, se as alterações legais devem retroagir para beneficiar quem tenha cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento.
Na tarde de hoje, ocorreram as sustentações orais das partes envolvidas e do PGR, Augusto Aras. O relator, ministro Alexandre de Moraes, iniciou seu voto, todavia, a sessão foi suspensa devido ao adiantado da hora.
O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 4.
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 14.230/21, que altera a lei de improbidade administrativa e trata das punições a agentes públicos e políticos em práticas de enriquecimento ilícito, danos aos cofres públicos ou outras infrações contra a administração pública.
Da nova lei, destacam-se as seguintes alterações:
Exigência de dolo para que os agentes públicos sejam responsabilizados;
Ministério Público passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade;
Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como improbidade;
Não poderá ser punida a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei.
Entenda o caso
No caso em análise, o INSS ajuizou ação civil pública, com o objetivo de condenar uma procuradora, contratada para defender em juízo os interesses da autarquia, ao ressarcimento dos prejuízos sofridos em razão de sua atuação. A procuradora atuou entre 1994 e 1999, e a ação foi proposta em 2006.
Na origem, o juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, por considerar que não houve ato de improbidade administrativa, e condenou o INSS ao pagamento de multa por litigância de má-fé, custas processuais e honorários advocatícios. O TRF da 4ª região, contudo, anulou a sentença e determinou a abertura de nova instrução processual.
No recurso ao STF, a ex-procuradora argumenta que a ação seria inviável por ter sido proposta após o prazo prescricional de cinco anos. Sustenta, ainda, que a imprescritibilidade prevista na Constituição se refere a danos decorrentes de atos de improbidade administrativa, e não a ilícito civil.
Relevância
Devido a relevância da matéria, o recurso teve repercussão geral reconhecida em fevereiro deste ano, assim, o que for decidido pelo Supremo no caso em análise será aplicado aos demais processos semelhantes.
Em manifestação no plenário virtual, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso, observou que a controvérsia é de "suma importância" para o cenário político, social e jurídico e que o interesse sobre a matéria ultrapassa as partes envolvidas.
Moraes explicou que, mesmo sem definir se a procuradora atuou com dolo ou culpa, o TRF-4 já antecipou, no julgamento de embargos de declaração, o entendimento sobre a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade administrativa ocorridos após CF/88. Observou, ainda, que o INSS, no pedido de ressarcimento, atribui à procuradora conduta negligente (culposa) na condução dos processos judiciais.
Sustentações orais
Em defesa da ex-procuradora, o advogado Francisco Augusto Zardo Guedes (Dotti Advogados) sustentou pela retroatividade da nova lei. Segundo ele, o principal argumento para a irretroatividade seria porque a norma utiliza a expressão "lei penal", logo, o benefício somente se aplicaria a crimes. No entanto, em sua visão, "essa é uma interpretação gramatical, insuficiente para alcançar o sentido de garantias fundamentais constitucionais".
Representando o MP/SP, o procurador-geral de Justiça do MP Mário Luiz Sarrubbo afirmou que retroatividade não foi prevista no dispositivo questionado, não podendo, assim, admitir sua aplicação pretérita. "A Constituição Federal sempre diferenciou e diferencia lei Penal e demais sanções", concluiu.
A promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado também sustentou na Corte. A parquet alegou que caso o constituinte quisesse estender a retroatividade da lei benéfica ao sistema de improbidade administrativa, não teria ele restringido a garantia apenas a lei penal. Assim, asseverou que "não houve lacuna do constituinte, mas, sim, opção legitima de não a aplicar no sistema de improbidade administrativa".
o advogado Saul Tourinho Leal (Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia), representando a FNP - Frente Nacional de Prefeitos, defendeu a retroatividade da norma. De acordo com ele, o benefício é viável, uma vez que a "CF/88 elegeu várias hipóteses onde uma condenação criminal equivale, quanto ao resultado, a uma condenação por improbidade".
Posicionamento da PGR
Na tribuna, a PGR defendeu que alterações trazidas pela lei 14.230/21 não retroagem para beneficiar agentes públicos já condenados com base em regras que vigoravam anteriormente (lei 8.429/92). No entendimento de Augusto Aras, os novos prazos prescricionais introduzidos pela atual legislação, ainda que atinjam práticas delituosas cometidas na vigência do antigo regramento, só devem ser computados a partir de 2021.
"O novo regime da prescrição deve ser aplicado no modelo de transição, de modo que novos prazos incidam em relação a condutas anteriores apenas a partir do novo diploma."
Fonte: Migalhas