STF valida limites ao uso de investigações de acidentes aéreos na Justiça

Nesta quarta-feira, 14, o STF, por maioria, declarou válidos os dispositivos do Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565/86), alterado pela lei 12.970/14, que restringem o uso das análises e conclusões do Sipaer - Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos como provas em procedimentos judiciais e administrativos, condicionando seu uso à autorização judicial.

O relator, ministro Nunes Marques, votou pela constitucionalidade das disposições. Seu entendimento foi acompanhado pela maioria dos ministros, com exceção do ministro Flávio Dino, que divergiu parcialmente, e da ministra Cármen Lúcia, que precisou se ausentar da sessão.

Nunes Marques destacou que as disposições em questão refletem o propósito preventivo das investigações aeronáuticas, alinhando-se às necessidades de segurança aérea e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Dessa forma, o STF negou o pedido do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, julgando improcedente a ação de inconstitucionalidade.

Caso

O então PGR, Rodrigo Janot, ajuizou a ação contra dispositivos do Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565/86), alterado pela lei 12.970/14, que restringem o uso de informações das investigações de acidentes aeronáuticos do Sipaer em processos judiciais e administrativos, a menos que haja autorização judicial. 

Janot argumentou que tal restrição viola o direito ao acesso à Justiça, à ampla defesa e ao contraditório, garantidos pela CF. Segundo ele, essas informações são fundamentais para a defesa dos direitos das pessoas afetadas por acidentes aéreos e para a atuação de órgãos como o MP e a polícia. 

Além disso, destacou que, apesar da possibilidade de solicitar acesso judicial às provas, as barreiras impostas pela lei configuram uma negação de Justiça, limitando o acesso aos interessados.

Voto do relator

Ministro Nunes Marques rejeitou as alegações de Janot, defendendo que as restrições impostas pela legislação são adequadas e não violam a Constituição. 

S. Exa. argumentou que tais medidas estão alinhadas com padrões internacionais e visam principalmente a segurança do transporte aéreo e a eficácia das investigações.

Nunes Marques enfatizou que garantir o sigilo das informações contribui para que as investigações sejam mais abertas e detalhadas, sem que os envolvidos tenham receio de represálias ou consequências legais.

Voto-vista

Em seu voto-vista, ministro Alexandre de Moraes ressaltou que, embora a legislação vigente proteja as fontes de informação que contribuem para o Sipaer, permitindo que os dados sejam usados exclusivamente para fins de prevenção de acidentes, há uma brecha para o compartilhamento dessas informações. Esse compartilhamento, contudo, só pode ocorrer mediante autorização judicial e com a manutenção do sigilo das fontes.

Moraes enfatizou que, em situações onde o Judiciário é chamado a se manifestar, nada impede que este valore os dados apresentados, desde que sigam as diretrizes legais. Ele acompanhou o relator do caso, argumentando que permitir o uso irrestrito das informações poderia prejudicar o sistema na totalidade.

O Sipaer foi concebido com o objetivo primordial de prevenir acidentes, e a obtenção de informações para essa finalidade é facilitada pela garantia de que essas informações não serão usadas em processos penais ou administrativos, a não ser sob condições específicas.

Essa visão é compartilhada pela ANAC, que também defende que o sistema foi estruturado para aprimorar a segurança aérea. Para que essa função preventiva seja exercida de forma plena e eficaz, é necessário que as informações coletadas sejam tratadas com a devida segregação, sem que haja preocupação com possíveis implicações penais.

Assim, ministro Alexandre de Moraes votou a favor da manutenção das restrições legais ao uso das análises e conclusões do Sipaer em procedimentos judiciais, reafirmando a importância de proteger a função preventiva do sistema de investigação de acidentes aeronáuticos, preservando a confiança e a liberdade necessárias para a coleta de informações sensíveis que possam evitar futuras tragédias.

Divergência parcial

Ministro Flávio Dino, em seu voto, abordou a necessidade de uma separação clara entre as investigações conduzidas pelo Sipaer e outras investigações judiciais.

Dino ressaltou que existem duas investigações paralelas com objetivos distintos: uma voltada para a prevenção de acidentes e outra para a apuração de responsabilidades jurídicas. Por isso, defendeu a necessidade de uma dinâmica que respeite essa dualidade, sem permitir que uma investigação se sobreponha à outra.

Embora tenha reconhecido a importância das convenções internacionais que orientam o funcionamento do Sipaer, Dino afirmou não ver uma imposição que subordine todo o sistema de justiça brasileiro à investigação conduzida pelo Sipaer.

Destacou que tal subordinação não estaria em consonância com os princípios do devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição e os deveres controlados pelo juiz de garantias, responsável por autorizar o acesso ao material investigativo.

Com base nessa argumentação, Dino considerou constitucionais o art. 88, i, § 2º, e o art. 88, k, do Código Brasileiro de Aeronáutica, que tratam do sistema de notificação voluntária de ocorrências. No entanto, ele fez ressalvas em relação ao art. 88, c, que estabelece que a investigação do Sipaer tem precedência sobre procedimentos concomitantes.

Dino questionou essa precedência, argumentando que as investigações são paralelas e que o acesso aos vestígios e ao material investigativo pode ser simultâneo. Criticou a exigência de que um perito da Polícia Federal tenha que aguardar autorização de um perito da aeronáutica para prosseguir com sua investigação. Entende que essa exigência gera perda de eficiência e limita as competências próprias da autoridade policial e do Ministério Público.

Em seu voto, Dino propôs uma interpretação conforme a Constituição para não haver tal precedência entre as investigações do Sipaer e as demais investigações judiciais.

Agilidade indispensável

Ministro Cristiano Zanin, enfatizou a necessidade de que o Cenipa - Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (mantenha absoluta agilidade na transmissão de alerta acerca de possíveis fatores responsáveis por acidentes.

Zanin destacou que, para que o centro cumpra sua função de prevenir acidentes com eficácia, é essencial que suas operações não sejam sobrecarregadas por restrições que possam comprometer a rapidez na comunicação de fatores de risco identificados durante as investigações. Afirmou não enxergar qualquer vício nos dispositivos impugnados que regulamentam essa questão.

O ministro também mencionou que os dispositivos legais em questão seguem princípios internacionais que regem a investigação de acidentes aeronáuticos.

Com base nesses argumentos, Zanin acompanhou o relator, votando pela manutenção das normas impugnadas e pela proteção da agilidade necessária ao Cenipa na execução de suas funções preventivas.

Sistema reconhecido

Ministro André Mendonça, em seu voto, destacou que a sistemática adotada pelo Brasil está em total conformidade com os padrões internacionais de investigação de acidentes aeronáuticos.

Ressaltou que, no hemisfério sul, existem apenas dois laboratórios capazes de ler e analisar as informações contidas nas caixas-pretas de aeronaves: um no Brasil e outro na Austrália. Esse fato, disse o ministro, sublinha a relevância e o reconhecimento internacional do sistema brasileiro de investigação de acidentes.

Mendonça mencionou que inúmeras investigações de acidentes foram realizadas em parceria entre autoridades brasileiras e estrangeiras, demonstrando a confiança que a comunidade internacional deposita no sistema brasileiro.

Além disso, enfatizou a importância da preservação do local do acidente para a coleta eficaz de informações que possam prevenir futuros acidentes similares. Argumentou que a preservação e o respeito aos procedimentos adotados pelo Sipaer são essenciais para garantir a segurança e a melhoria contínua do sistema de aviação.

Com base nesses pontos, o ministro votou pela constitucionalidade dos dispositivos legais que regem o uso das análises e conclusões do Sipaer, reafirmando a importância da manutenção da estrutura atual para preservar a integridade e a eficácia do sistema de prevenção de acidentes aeronáuticos no Brasil.

Diálogo de sistemas

Par ministro Edson Fachin, o sistema brasileiro é fruto de um debate técnico e democrático destinado a aumentar a segurança e evitar que mais famílias sofram perdas irreparáveis.

Fachin considerou que é contraintuitivo opor o sistema de persecução penal ao de prevenção de acidentes, uma vez que, embora distintos, ambos dialogam em termos de suas finalidades. Enfatizou que as vítimas têm direitos que precisam ser reparados, e que a própria reparação representa uma forma de aprendizado público e social.

O ministro pontuou que se trata de questão de natureza regulatória, na qual a adoção de políticas de prevenção é um ideal republicano. Ressaltou que essa abordagem não impede o Ministério Público de investigar os acidentes. Pelo contrário, a proteção da comunidade, por meio de políticas de prevenção de acidentes aéreos, é uma perspectiva de justiça comprometida com a prevenção e também com a responsabilização adequada.

Fachin argumentou que a investigação administrativa de acidentes aéreos não pode nem deve se sobrepor à investigação e responsabilização criminal. Observou que a legislação, embora não utilizando os termos mais precisos, estabelece que há uma autoridade responsável pela custódia das informações e várias investigações que podem ocorrer de maneira concomitante, paralela ou simultânea.

Por fim, Fachin defendeu o legítimo direito de compartilhamento das informações coletadas, considerando que diversos são os destinatários dos bens custodiados, e que esse compartilhamento é essencial para garantir tanto a prevenção quanto a justiça em casos de acidentes aéreos. Com base em sua análise, votou pela manutenção dos dispositivos legais, destacando a importância de equilibrar a prevenção com a investigação e responsabilização criminal.

Processo: ADIn 5.667

Fonte: www.migalhas.com.br


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