STJ vê excesso de linguagem de juiz que citou "dolo de matar evidente"
O magistrado que cita na decisão de pronúncia de alguém acusado de homicídio que essa pessoa teve "dolo evidente de matar" comete excesso de linguagem, pois avança sobre a análise técnica da materialidade e indícios de autoria.
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de ofício em Habeas Corpus para anular a decisão de pronúncia de um homem acusado de praticar homicídio qualificado.
A pronúncia é a sentença na qual um juiz togado aponta que o acusado de um crime contra a vida deve ser julgado pelo Tribunal do Júri. Ela se limita a analisar se há suficientes indícios de materialidade e autoria.
É importante que, nessa fase do processo, não haja juízo de valor sobre a conduta imputada ao réu, pois essa análise caberá posteriormente aos jurados. Portanto, excessos de linguagem praticados por magistrados são causa de nulidade da sentença de pronúncia.
No caso julgado, a defesa apontou dois trechos em que houve excesso. No primeiro, o juiz escreveu que o réu agiu com "ânimo homicida, por motivo fútil e empregando recurso que dificultou a defesa da vítima". No segundo, citou que "o dolo de matar é evidente".
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, não houve excesso, mas apenas "articulações discursivas pontuais" que, sem considerar o contexto completo da sentença, não podem causar nulidade. O acórdão ainda citou que não há comprovação do potencial de influência no ânimo dos jurados.
Relator na 5ª Turma, o ministro Joel Ilan Paciornik concordou e votou por afastar o excesso de linguagem. Para ele, o magistrado indicou os requisitos exigidos para pronunciar o acusado de maneira coerente e sem ênfase acusatória, com base nos elementos dos autos.
Abriu a divergência vencedora o ministro João Otávio de Noronha, para quem a linguagem utilizada excedeu os limites do aceitável. Nesta terça-feira (23/8), foi acompanhado pelo desembargador convocado Jesuíno Rissato, que proferiu voto-vista.
Ele destacou que "os trechos se revestem de excesso, ao não usar o futuro do pretérito e, por vezes, fazer afirmações categorias ou indiscutíveis". O juiz poderia, no máximo, ter dito que o acusado teria agido com dolo de matar evidente, por exemplo. A divergência foi acompanhada também pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.
O ministro Reynaldo citou o desafio do processo penal na pronúncia: indicar elementos suficientes para levar alguém ao julgamento pelo júri, mas evitar que esses dados influenciem os jurados. "Há excesso de linguagem quando se faz juízo peremptório acerca do dolo da conduta do acusado", concluiu.
Fonte: Conjur