Uma Rosa no meio do caminho: transparência e publicidade no orçamento
Semana passada ocorreram dois fatos com forte impacto financeiro e eleitoral: foi aprovada em primeiro turno de votação na Câmara a PEC dos Precatórios e a ministra Rosa Weber concedeu liminar para sustar a execução do
orçamento secreto, pelo qual são executadas as famigeradas
emendas de relator, que possuem nítido caráter reeleitoral.
A correlação entre esses dois assuntos é clara.
A PEC dos Precatórios foi votada com os olhos voltados para obter espaço no orçamento para as
emendas de relator, que são diferentes das emendas de bancada e das emendas parlamentares — ambas previstas na Constituição, conforme já tive a oportunidade de expor nesta
ConJur.
A liminar da ministra Rosa Weber foi concedida na ADPF 854, proposta pelo Psol em junho/21, contestando a opacidade dessas emendas de relator, que se configura em uma espécie de "orçamento secreto", e acarretará um
freio nessa prática, gerando repercussão nas votações que faltam para a provar a PEC dos Precatórios.
Estabelecida a correlação, qual serão os próximos movimentos?
Pelo lado do governo, parece-me que serão esgrimados pelo menos dois diferentes argumentos.
Um, de caráter retórico, atacando a decisão da ministra sob a alegação de que tal decisão inviabilizará o pagamento dos R$ 400 aos mais carentes, o que é falso. Trata-se de uma opção política o que deve ou não entrar sob o
teto de gastos (EC 95), e muita coisa está sob o teto que poderia ser retirada para caber esse auxílio aos mais carentes — o que seria uma medida correta e justa. Logo, é um argumento retórico.
Outro, de caráter jurídico, sob o argumento de que o gasto com as emendas de relator consta do Diário Oficial, e estão discriminadas no orçamento sob a rubrica RP9 — logo, haveria toda a publicidade possível. Aqui é necessário distinguir o que é
publicidade do que é
transparência, conceitos correlatos, porém distintos.
Usando uma metáfora, pode-se dizer que
publicidade se equipara a um autofalante, pelo meio do qual se divulga um fato. Imagine-se passando por uma rua de comércio, na qual um vendedor com um megafone convida as pessoas a entrarem em sua loja e comparem os produtos que estão à venda — aqui há
publicidade. Isso é diverso da
transparência, que equivale à
vitrine da loja, por meio da qual se pode ver o que nela existe. Nesse sentido, pode-se afirmar que a publicação no Diário Oficial e a existência de rubrica no orçamento são insuficientes, pois apenas traduzem
publicidade, e não
transparência, pois não deixam ver (1) no que será aplicado o dinheiro, (2) por ordem e (3) em benefício de quem.
É neste ponto que a liminar da ministra Rosa Weber identificou o problema, pois o liame entre quem dirige a verba e em proveito de quem está absolutamente
opaco. Quatro emendas constitucionais (EC 86, 100, 102 e 105) foram aprovadas para coibir isso, além de diversas outras normas, que estão sendo
tratoradas. O TCU também está atento, como relatado pela ministra em sua decisão. Como dizem os amigos mineiros com quem compartilho a mesa de debates do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro (IBDF), com os olhos voltados à poesia de Drummond,
no meio do caminho havia uma Rosa — Weber.
Aguarda-se a confirmação da liminar pelo plenário do STF, de forma ágil e unânime, para consolidar o correto entendimento esposado. É necessário saber de onde vem e para onde vai o dinheiro arrecadado em nosso país, para que os órgãos de controle e fiscalização possam exercer seu papel — isso é um
pressuposto para que tenhamos um
orçamento republicano, em busca de uma
liberdade igual.
Não sejamos ingênuos. Esse mecanismo financeiro
opaco,
secreto, está sendo usado para cooptar parlamentares a votar com o governo nas pautas de seu interesse — como noticiado pelos jornais, que apontam ter sido empenhados R$ 1,2 bilhão dessas emendas na véspera da votação. Dentre outras, destaca-se a reportagem de Breno Pires e André Shalders para o
Estadão. O empenho da verba está sendo utilizado como uma espécie de
pagamento de resgate — empenha-se a verba para obter o compromisso, e libera-se o dinheiro após a votação.
Isso foi feito anteriormente — para os mais jovens, vale conferir o escândalo dos
Anões do Orçamento, cujo comandante era um deputado baiano, João Alves, que ficou conhecido com célebre desculpa de ter ganho 56 vezes na loteria só em 1993.
Estamos repetindo o passado. Élida Graziane, com quem compartilho esta coluna
Contas à Vista, costuma lembrar a música de Cazuza, que afirmava ver
"o futuro reviver o passado" em um
"museu de grandes novidades". Poderia acrescer também com Cazuza
"Brasil mostra tua cara/ quero ver quem paga/ pra gente ficar assim/ Qual é o teu negócio?/ O nome do teu sócio?/ Confia em mim".
Dificilmente alguém morrerá de tédio neste país; é mais usual morrer de Covid — mais de 600.000 já morreram em nosso país.
Fonte: Conjur